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O triste lamento de Alan

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Quando o presidente George W. Bush iniciou o primeiro mandato, parecia improvável que ele conseguisse impor seus planejados cortes de impostos. A natureza questionável de sua chegada à Casa Branca parecia tê-lo deixado numa posição política fraca, enquanto o Senado se equilibrava entre os dois partidos. Era difícil imaginar como um enorme e controvertido corte de impostos, que beneficiaria principalmente a elite rica, poderia ser aprovado no Congresso. Então, Alan Greenspan, na época presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), testemunhou perante a Comissão de Orçamento do Senado. Até então, Greenspan se apresentara como a voz da responsabilidade fiscal, alertando o governo Clinton para que não arriscasse seus superávits orçamentários conquistados a duras penas. Mas agora os republicanos controlavam a Casa Branca e o Greenspan que comparecia à Comissão de Orçamento era um homem bem diferente. De repente, sua maior preocupação - a ''''política fiscal fundamental necessária'''', disse ele ao Congresso - era evitar a ameaça de que o governo federal realmente pagasse todas as suas dívidas. A fim de evitar esse desfecho terrível, ele defendeu cortes de impostos. E as comportas foram abertas. Hoje sabemos que os temores de Greenspan de que o governo federal liquidasse rapidamente as dívidas eram exagerados. E Greenspan acaba de publicar um livro no qual critica o governo Bush por sua irresponsabilidade fiscal. Lamento, mas esse ataque chega com atraso de seis anos e US$ 1 trilhão. Greenspan agora diz que sua intenção não era dar luz verde aos cortes de impostos de Bush e que ficou surpreso com a reação política a seus comentários. Na verdade, circulavam rumores - que Greenspan hoje confirma - de que o presidente do Fed estava insatisfeito com a resposta a sua declaração inicial. Mas o fato é que, se Greenspan não pretendia dar apoio decisivo aos cortes de impostos de Bush, teve oportunidades de sobra para desfazer o mal-entendido e mudar o rumo dos acontecimentos. Sua primeira grande chance de ser mais claro surgiu algumas semanas após aquele primeiro testemunho, quando ele se apresentou à Comissão de Assuntos Bancários, Habitacionais e Urbanos do Senado. Eis o que escrevi depois daquela aparição: ''''O desempenho de Greenspan ontem, em seu primeiro testemunho oficial depois de ter feito o estrago, foi uma aula de covardia. Em vários momentos teve a oportunidade de dizer algo que ajudasse a deter os cortes de impostos descontrolados; em cada ocasião driblou a pergunta, muitas vezes respondendo com trechos de seu testemunho anterior. Ele declarou mais uma vez que só exprimia posições particulares, garantindo assim liberdade para se pronunciar em assuntos bem distantes de seu papel como presidente do Fed. No entanto, pressionado a responder se os cortes de impostos que agora pareciam inevitáveis eram grandes demais, ele disse que não era adequado comentar propostas específicas. Em resumo, Greenspan definiu as regras do jogo a fim de poder intervir como quiser no debate político, escondendo-se atrás de seu cargo sempre que alguém tenta responsabilizá-lo pelos resultados dessas intervenções.'''' Depois de publicar esse artigo, recebi um telefonema indignado de Greenspan, exigindo saber o que dissera de errado. Em seu livro, ele alega que Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro, ficou chocado com essa pergunta. É difícil acreditar, pois eu certamente não fiquei: o argumento de Greenspan a favor dos cortes de impostos era distorcido e contraditório - para não mencionar que ele se baseava em projeções orçamentárias excessivamente otimistas. Se alguém tinha dúvidas da determinação de Greenspan de não incomodar a Casa Branca de Bush, elas desapareceram dois anos depois, quando o governo propôs outra rodada de cortes de impostos, embora o orçamento já sofresse um profundo déficit. E adivinhem: o antigo sacerdote da responsabilidade fiscal não fez objeção. E em 2004 ele apoiou a idéia de tornar permanentes os cortes de impostos de Bush - lembrem-se, esses são os cortes que ele agora diz não ter endossado - e argumentou que o orçamento deveria ser equilibrado com cortes de gastos em benefícios sociais, incluindo a previdência. Em 2001, é claro, ele garantiu ao Congresso especificamente que o corte de impostos não ameaçaria a previdência. Em retrospectiva, o colapso moral de Greenspan em 2001 foi um presságio. Mostrou como muita gente na comunidade da política externa suspenderia suas faculdades críticas e apoiaria a invasão do Iraque, apesar das provas abundantes de que era realmente uma má idéia. E como os defensores da invasão que começam a se apresentar como críticos da guerra agora que a aventura no Iraque deu errado, Greenspan começa a se retratar como um crítico da irresponsabilidade fiscal do governo agora que o presidente Bush se tornou profundamente impopular e os democratas controlam o Congresso. *Paul Krugman escreve para The New York Times

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