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O último dia do Lehman Brothers

'Minha caixa estava cheia de mensagens de adeus'

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Por Redação
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O despertador tocou às 6h03. Mas já estava acordado algumas horas antes. Você nunca dorme bem uma noite antes da sua companhia implodir. Acho que já estava vendo meu futuro no MSNBC na noite anterior, quando vi meus colegas do Lehman Brothers carregando caixas cheias de papéis da sede em Manhattan. Não sabia as razões, mas corri para recuperar meus documentos pessoais no computador. O servidor entrou em colapso por causa do uso excessivo.Nessa manhã, entrei no meu computador em casa, para saber das notícias. A caixa de entrada estava lotada de mensagem de adeus de colegas de trabalho e uma nota da minha chefe dizendo para não me apressar para o trabalho. Apesar do mar de notícias naquela manhã, ninguém próximo ou no escritório sabia muita coisa. Nem os jornalistas que cercavam a sede do Lehman nem minha chefe.Embora o colapso do Lehman tivesse implicações para a economia, nossa conversa no saguão era sobre o nosso futuro. "O que vamos fazer?", perguntavam os colegas, como se todos acabássemos de nos formar na faculdade sem um plano. Muitos saíram para tomar um drinque. Eu fiquei. Queria mais informações, saber se perdi meu emprego. Mas numa empresa falida ninguém fica para dar informações, muito menos para oferecer uma carta de demissão.Muitos no Lehman perderam fortunas, já que muitas das suas bonificações eram pagas em ações. A falência significou que centenas de milhares de dólares que estavam financiando a educação dos filhos ou a segunda casa evaporaram. Elas foram simultaneamente vítimas e parte da ruína. Alguns viviam um estilo de vida tão insustentável quanto os ativos AAA gerados por créditos abaixo do grau de investimento que provocaram o mais danos do que apenas a perda do nosso emprego. Eu tive sorte; não tinha trabalhado tanto tempo para perder muito. Eu deixara um emprego estável no governo 16 meses antes. Estava confuso. Devia me encolerizar com o governo por nos deixar falir, com os especialistas em vendas a descoberto que pressionaram o preço das nossas ações, ou com a liderança da empresa que se concentrou nas operações do dia a dia, não vendo que nossa base estava apodrecendo? Eu queria saber as respostas, mas, ainda mais importante, queria saber qual seria o meu futuro.As pistas surgiram no dia seguinte, quando o Barclays anunciou que estava assumindo o controle dos ativos do Lehman. Senti-me salvo. Com a agitação do mercado, porém, essa sensação durou menos de um dia, apesar das promessas do Barclays de manter todos os funcionários do Lehman.Os empregados do banco começaram a vagar pelas salas. Andavam devagar, não usavam gravatas e não sabiam usar as máquinas de café. Eu me senti como um velho empregado numa nova empresa; conhecia bem a situação, mas não o que estava se passado. Eles me salvaram, mas eu estava ressentido. O Lehman era uma instituição séria demais para ser absorvido por outro banco.Estava ansioso para me encontrar com meus novos colegas, inquieto com essa reunião, meio forçada, mas que, se tudo corresse bem, poderia não terminar tão cedo. Mas meus contrapartes nunca compareceram. E, à medida que o mercado continuou a piorar nos meses seguintes, ficava claro que o Barclays não conseguiria manter todos os empregados.Apesar da comunicação constante com minha chefe, que disse que tínhamos tempo para encontrar um emprego permanente, eu esperava que alguém do Barclays viesse falar comigo. Por dois meses, o único contato direto que tive foi por um e-mail em meados de setembro, onde me perguntaram se eu desejava continuar trabalhando.Finalmente, em 14 de novembro, uma representante do banco reuniu-se comigo. Nós só tivemos tempo de conversar 10 minutos, porque ela também estava deixando o banco.Até agora desconheço a história oficial sobre a falência do Lehman.Não acho que exista uma. David S. Abraham, que trabalhou da Divisão de Administração de Risco Global da Lehman Brothers, trabalha hoje para uma empresa de pesquisa de investimentos.

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