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O uso da riqueza do petróleo

Por Ribamar Oliveira e email: ribamar.oliveira@grupoestado.com.br
Atualização:

Quando foram instituídas as indenizações pela exploração de petróleo, na década de 1950, não havia grande disputa entre governadores e prefeitos em torno da questão. O motivo é que a receita era tão pequena que não valia a pena brigar por ela. Acreditava-se que os royalties deveriam mesmo ficar com os Estados e municípios afetados diretamente pela atividade poluidora da indústria petroleira. Mas essa percepção mudou inteiramente e, hoje, os governadores e prefeitos travam uma batalha cada vez mais acirrada por uma fatia do bolo dos royalties que, no ano passado, superou R$ 14 bilhões. Para entender o que está por trás dessa disputa, basta lembrar que em 1998 - ou seja, há dez anos - as receitas totais com os royalties, distribuídas entre a União, os Estados e os municípios, somavam apenas R$ 283,7 milhões. De lá para cá, essas receitas tiveram um crescimento quase exponencial. Em 2007, atingiram R$ 14,67 bilhões - aumento de 5.069% em relação ao valor de 1998. Há um aspecto explosivo nessa questão: a distribuição dos royalties está concentrada em alguns Estados e em poucos municípios. Os dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostram que, no ano passado, o Rio de Janeiro ficou com 84,5% do total dos royalties distribuídos diretamente aos Estados - a receita do Rio foi de R$ 4,36 bilhões. Ao mesmo tempo, os municípios fluminenses ficaram com 74,7% do total destinado a todos os municípios. Apenas 906 prefeituras são recebedoras diretas de royalties, de um total de 5.563 municípios. Com uma agravante: 11 prefeituras do Rio absorvem 60,5% do total distribuídos aos municípios. Em trabalho premiado este ano pelo Departamento de Coordenação e Controle das empresas Estatais (Dest), do Ministério do Planejamento, o economista e jornalista Sérgio Gobetti, do Estado, mostrou que os municípios que mais receberam royalties do petróleo não usaram o dinheiro extra para aumentar os seus gastos com o ensino fundamental ou com a saúde. Nem fizeram investimentos em gestão ambiental, o que seria o principal argumento para justificar a concentração dos royalties em um grupo restrito de localidades sob impacto das atividades petrolíferas. Gobetti informa que essa receita extra levou os prefeitos a elevar as despesas com pessoal. Também os Legislativos locais expandiram muito os seus gastos. "Há fortes indícios de desperdício de recursos públicos, o que coloca na ordem do dia a discussão sobre novos critérios de partilha das rendas do petróleo", afirma no trabalho. Os ânimos dos políticos ficarão ainda mais exaltados, pois a tendência é que o valor dos royalties a serem distribuídos pelas empresas petrolíferas aumente cada vez mais, em virtude da elevação dos preços internacionais do petróleo e das descobertas de grandes reservas do produto na camada de pré-sal da plataforma continental brasileira. A exploração no pré-sal é feita a grandes profundidades no mar, que podem superar 7 mil metros. Uma estimativa extra-oficial que circula nos bastidores do governo, baseada apenas em indícios e suposições, dá conta de que a área do pré-sal teria de 50 bilhões a 70 bilhões de barris de petróleo equivalente (óleo mais gás). Para se ter uma idéia do que isso significa, as reservas atuais do País são de apenas 14 bilhões de barris. Se essa estimativa se confirmar, o poder público terá uma grande riqueza em royalties e participações especiais. O debate sobre o que fazer com toda essa riqueza é urgente. Os senadores iniciaram, na semana passada, uma discussão sobre os critérios de partilha dos royalties, durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. O debate ainda está sendo obscurecido por interesses regionais, com algumas bancadas defendendo os atuais privilégios e outras querendo participação no bolo. Mas um pensamento menos provinciano e mais voltado aos interesses maiores do País começa a ganhar corpo. O presidente da CAE, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), acredita que é preciso estabelecer critérios de distribuição dos royalties baseados no princípio da justiça intergeracional, pois são rendas provenientes de recursos exauríveis. Em outras palavras, as gerações futuras precisam também se beneficiar de um recurso que vai acabar. Mercadante pensa na criação de um fundo com as rendas do petróleo destinado a financiar, entre outras coisas, a pesquisa de fontes alternativas de energia e ações na área do meio ambiente. Ele acredita ainda que o fundo, da mesma forma como ocorre na Noruega, poderá ser utilizado como uma alternativa de receita da Previdência Social. "Os recursos dos royalties do petróleo devem ser parte de um projeto estratégico de nação e de sociedade", afirmou, em conversa com este colunista. O professor Rodrigo Serra, da Universidade Cândido Mendes e especialista nessa questão, também defende uma maior participação do governo federal no rateio dos royalties, desde que seja garantido o efetivo emprego dos recursos em um fundo de fontes renováveis. Ele advertiu que, hoje, a União contingencia a receita dos royalties para fazer superávit primário. "Não dá para aceitar o governo pagar com os royalties dívidas passadas com os seus credores, em vez de promover a justiça intergeracional", disse a este colunista.

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