Uma semana depois de o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, ter dito ao Estado que o banco poderia perder até R$ 14,6 bilhões com a Odebrecht, o presidente do grupo baiano, Luciano Guidolin, afirmou que a empresa não pode continuar sendo indefinidamente punida pelos erros do passado, mesmo após homologação do acordo de leniência há quase três anos. Para ele, isso pode passar o recado “inequívoco de que o processo de leniência no Brasil não é a chance de recomeço, mas sim, uma sentença de morte”.
A declaração consta de uma carta enviada ao presidente do BNDES, na sexta-feira, 4, da qual o Estado teve acesso. Em seis páginas, Guidolin comenta – num tom apaziguador – os principais pontos da entrevista concedida por Montezano, relembra as relações com o banco de desenvolvimento, os investimentos feitos pelo grupo e os juros pagos pelos empréstimos.
“Se os desembolsos de financiamentos diretos ou em fomento à exportação de serviços ultrapassaram R$ 50 bilhões nas décadas de 2000 e 2010, também foram superiores à dezena de bilhões de reais os pagamentos de juros e amortizações, durante o mesmo período”, diz Guidolin, na correspondência. Segundo ele, o banco sempre foi muito criterioso nas questões de limites e garantias.
Para o executivo da Odebrecht, ao avaliar a dificuldade atual de repagar esses financiamentos, seria um erro desconsiderar os efeitos negativos da profunda crise econômica brasileira dos últimos anos. “Tendo sido um dos grupos que mais acreditou e investiu no Brasil nessa década, a crise e a queda na demanda de infraestrutura, aliada à restrição de crédito, foram determinantes para nosso contexto atual.”
Desde junho deste ano, o grupo está em recuperação judicial, após alguns credores ameaçarem executar suas dívidas. Com quase R$ 100 bilhões (quando incluídos os empréstimos intercompanhias) de endividamento, a empresa tenta neste momento negociar com os credores um plano de recuperação baseado especialmente na venda da petroquímica Braskem. Desde que virou o pivo da Lava Jato, ao lado da Petrobrás, o grupo já vendeu inúmeros ativos e tem sofrido para conseguir novas obras, num cenário de escassez de investimentos.
Parceria público-privada
Na carta, Guidolin afirma que a empresa cometeu vários erros na relação público-privada. Mas que, diante de todos os ocorridos, a companhia implementou um profundo processo de transformação, baseado em uma nova governança e em uma atuação ética. Firmou acordo de leniência e de conduta com Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Petrobrás, Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Banco Mundial, BID e mais 5 países.
“Severas punições financeiras foram imputadas à Odebrecht, visando a reparação da sociedade, sendo importante destacar que o pagamento dessas penalidades só será possível se nos for dada a possibilidade de continuar trabalhando para a sociedade brasileira”, diz Guidolin. E completa: “Nosso caminho, desde o processo de leniência iniciado em 2016, tem sido extremamente difícil”.
Na correspondência, o executivo da Odebrecht explica a situação de cada uma das áreas que tem relação de crédito com o BNDES, como exportação de serviços de engenharia, Atvos (braço de açúcar e álcool do grupo), Odebrecht Transport, Braskem e Fundação Odebrecht. Ele afirma que para preservar a continuidade da empresa e seus mais de 40 mil empregos e possibilitar a recuperação dos créditos existentes, foi obrigado a recorrer ao processo judicial.
“No entanto, a minimização das perdas dos credores, entre eles o BNDES, só será alcançada se as partes atuarem com este mesmo objetivo, olhando para o futuro e para o melhor interesse do País, deixando para trás revanchismos, preconceitos ou desconfianças.”
Contestação
Um dia após a divulgação da entrevista do presidente do BNDES ao Estado, a associação dos funcionários do banco (AFBNDES) questionou os dados. Para eles, a perda potencial da instituição com o grupo seria mais corretamente estimada em R$ 6,4 bilhões. Para a AFBNDES, o “impacto de supostos erros” foi aumentado na estimativa da diretoria, para atender “compromissos com a retórica eleitoral oficial”.
Em nota divulgada na semana passada, a entidade que representa os servidores do BNDES avalia que o presidente do banco, Gustavo Montezano, “trabalha para reacender o mito da ‘caixa-preta’”. Odebrecht e BNDES não se manifestaram.