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OMC tenta salvar Doha e pede corte pesado a emergentes

Grupo que inclui Brasil defende uma redução máxima de 50%, mas nova proposta prevê corte de quase 65%

Por Jamil Chade
Atualização:

O Brasil terá de ceder em sua posição no setor industrial e aceitar cortes de mais de 60% de suas tarifas de importação. É o que sugerem os mediadores da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ontem apresentaram suas propostas para tentar salvar a Rodada Doha. Em troca, os europeus incrementariam a abertura do mercado agrícola e os americanos aceitariam um teto de no máximo US$ 16,4 bilhões nos subsídios distribuídos anualmente. A decisão, agora, é política. Para diplomatas, o Brasil e os países emergentes terão de avaliar se estão dispostos a pagar esse preço pelo que foi oferecido no setor agrícola. Sem um acordo entre os principais atores do processo e do fracasso da reunião de Potsdam, no mês passado, os mediadores da OMC foram convocados para apresentar suas propostas. A proposta exige um pouco de todos. Mas críticos e diplomatas dos países emergentes apontam que o que está sendo pedido dos países emergentes em termos industriais vai além do que estava sendo proposto. Em uma primeira leitura, o Brasil não esconde que ficou ''''moderadamente satisfeito'''' com a proposta do teto dos subsídios nos Estados Unidos, entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões. Os americanos queriam US$ 22,5 bilhões inicialmente, enquanto o Itamaraty pedia US$ 12,5 bilhões. Outra dúvida que fica é quanto ao acesso ao mercado europeu - eles teriam de cortar de 66% a 73% de suas tarifas, mas poderiam manter produtos sensíveis. O obstáculo será aceitar os cortes considerados profundos no setor industrial, algo que nem argentinos nem venezuelanos, entre outros países, parecem dispostos. Um negociador sul-africano considerou a proposta ''''inaceitável'''' e não escondia irritação. ''''A proposta de abertura de mercados agrícolas oferece pouco para o preço que será cobrado'''', afirmou Celine Charveriat, da Oxfam, organização internacional voltada ao combate da pobreza. Segundo a entidade, os cortes de tarifas e subsídios agrícolas vão ''''na direção correta'''', mas ainda são ''''modestos'''' comparados aos esforços e ''''custos severos'''' que os países emergentes terão ao abrir seus mercados para industrializados. Crawford Falconer, autor da proposta agrícola, nega que os textos sejam desequilibrados. ''''Estamos tirando todos da zona de conforto. Isso precisava ocorrer se queremos um acordo. Pode ser doloroso para alguns, mas a dor será necessária para que haja um acordo.'''' ''''Nenhuma delegação conseguirá o que quer'''', alertou Pascal Lamy, diretor-geral da OMC. ''''O que separa os países é menor do que os une. O pacote sobre a mesa é impressionante.'''' O grupo composto por Brasil, Argentina, Venezuela, África do Sul e outros sete países emergentes defende que o corte máximo nas tarifas industriais seja de 50%. Uma sugestão de elevar essa taxa é o que teria levado ao fracasso de Potsdam, segundo algumas interpretações. Pela nova proposta, o corte seria de quase 65%. Na prática, o Brasil reduziria suas tarifas médias consolidadas de 29% para cerca de 13%. A Argentina, em plena adoção de políticas de industrialização, não poupou críticas ao documento, considerado uma proposta que vai além da capacidade do país de abrir seu mercado. Outra crítica se refere ao fato de que haveria uma tentativa de dividir o grupo de países emergentes ao sugerir alguns benefícios aos sul-africanos, um dos líderes do bloco. A proposta da OMC, porém, bate exatamente com a idéia apresentada há um mês pelo Chile e outros sete países emergentes que deixou o Itamaraty irritado. Cautelosos, nem europeus nem americanos querem ''''matar'''' os textos, já que representaria o último prego no caixão de Doha. Segundo alguns diplomatas, os europeus seriam os maiores beneficiados pelo atual texto, já que não exigiria muito além do que já propuseram. Hoje, o chanceler Celso Amorim deverá debater o texto com o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, em Bruxelas. O objetivo será definir como seguir com o processo.

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