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Onda de calote nos EUA agita bolsas, atinge emergentes e ameaça o Brasil

Pânico da semana passada foi uma amostra do poder de contágio da bolha americana de hipotecas de alto risco

Por Patrícia Campos Mello e de Washington
Atualização:

Tudo começou com uma onda de calotes em financiamentos imobiliários nos Estados Unidos, no ano passado. Mas a chamada bolha do subprime ganhou força e ameaça contaminar mercados de crédito em todo o mundo, deixando seqüelas em países emergentes como o Brasil. Na semana passada, o pânico das bolsas foi uma amostra do poder de contágio da bolha de hipotecas de alto risco ou subprime. Em um dia, a Bolsa de Nova York perdeu US$ 314 bilhões em valor de ações. Foi um efeito em cadeia: primeiro, a crise do subprime atingiu bancos e fundos de hedge que compravam papéis lastreados nesses financiamentos arriscados. Depois, espalhou-se para outros tipos de financiamentos imobiliários, até hipotecas para pessoas com ótimo histórico de crédito. Agora, chegou até as aquisições alavancadas de empresas (compras feitas com endividamento). Após os calotes, os bancos fecharam a torneira para financiamentos mais arriscados. Resultado: duas operações de aquisição alavancada, em que grupos de private equity iam comprar a Chrysler e a rede inglesa de farmácias Boots, foram adiadas. A próxima vítima, alertam economistas, são os mercados emergentes. Para Vitoria Saddi, economista-chefe de América Latina da consultoria RGE Monitor, a turbulência da Bovespa vai se aprofundar. Muitos fundos de hedge que tinham investimentos em subprime aplicavam também em ações e títulos do Brasil. Como perderam muito dinheiro, estão se desfazendo dos papéis de emergentes. "Ainda é cedo para avaliar a extensão da crise imobiliária, mas já prevemos alguma desvalorização do real e saída de capital estrangeiro do Brasil", diz Vitória. "Mas não será uma crise cambial de jeito nenhum, porque temos um ótimo colchão de reservas." Na Argentina, já houve efeitos palpáveis - o risco país, que chegou a 185 pontos no dia 1º de fevereiro, bateu em 468 na quinta-feira. No epicentro dessa crise estão os empréstimos subprime, que saíram do anonimato em poucos meses. Depois de anos financiando imóveis para pessoas com alta probabilidade de calote, os EUA começaram a sentir os efeitos da inadimplência. Está previsto que 1,7 milhão de americanos perderão casas ou apartamentos por execução de hipoteca e milhares de imóveis voltarão ao mercado, deprimindo os preços. O mercado de hipotecas de alto risco é de US$ 1,3 trilhão e calcula-se que cerca de 15% disso terá calote. A bolha foi alimentada por bancos de investimento, que "compram" os financiamentos das empresas de hipoteca e os transformam em títulos, na chamada securitização de recebíveis. Aí, vendem esses títulos para fundos de pensão de hedge. Até agora, a crise causou perdas de US$ 100 bilhões no mercado de financiamento imobiliário e nos fundos que compram papéis lastreados em hipotecas nos EUA. A mesma dinâmica se dá nas compras alavancadas de empresas. Grupos de private equity tomam empréstimos em bancos para comprar grandes companhias. Os bancos, por sua vez, transformam esses empréstimos em papéis (derivativos) e vendem para fundos. Mas, com o aumento nos calotes e perdas nos fundos, os investidores passaram a evitar esses derivativos. Muitos estão fugindo de qualquer tipo de risco, abrigando-se nos portos seguros dos títulos do governo americano, os Treasuries. O mercado de Collateralized Debt Obligations (CDO) - papéis que compram papéis lastreados em hipotecas ou outras dívidas -, que movimentou US$ 503 bilhões no ano passado, está semimorto. A venda de CDOs caiu de US$ 42 bilhões em junho para US$ 9,1 bilhões este mês, segundo relatório do JP Morgan Chase. A quebra de dois hedge funds do Bear Stearns, recheados de papéis lastreados em hipotecas de alto risco e CDOs, foi o ponto de inflexão da crise. Para muitos investidores, foi um alerta para o perigo desse emaranhado de derivativos. Como todos esses derivativos estão interligados, as perdas se espalham e agora ameaçam acabar com o crédito fácil. Mas, para outros analistas, a situação não é tão ruim. "Um longo período de crédito fácil gerou excessos, e agora estamos passando por um choque de realidade", disse o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson. Já o chefe de pesquisas para a América Latina do banco West LB em Nova York, Ricardo Amorim, acredita que a correção nos mercados ainda vai durar algum tempo. E, no médio prazo, o Brasil não será afetado. "Mesmo que a crise imobiliária se aprofunde nos EUA, o resto do mundo vai muito bem e vai agüentar o tranco."

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