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Operação de 'insider' da Petrobrás já estava no radar da Bolsa brasileira

Braço de autorregulação da B3 identificou operações fora do padrão com papéis da estatal nos dias que se seguiram à sinalização de Jair Bolsonaro de que haveria troca no comando

Foto do author Fernanda Guimarães
Por Fernanda Guimarães
Atualização:

As operações atípicas com ações da Petrobrás já haviam chamado a atenção dentro da B3, a Bolsa brasileira, nos dias que se seguiram à sinalização dada pelo presidente Jair Bolsonaro de que pretendia trocar o comando da estatal. A BSM Supervisão de Mercados, braço autorregulador do mercado de capitais ligado à B3, identificou que algumas operações não se encaixavam no padrão regular, e já vinha investigando, apurou o Estadão. O jornal O Globo revelou que transações com papéis da empresa que têm toda a aparência de uso de informação privilegiada (insider trading) deram a um investidor um lucro na casa dos R$ 18 milhões.

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Uma operação atípica é facilmente captada pelo sistema da B3, que sempre abastece a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais, com tais informações. A estrutura é capaz de perceber, por exemplo, quando uma ação se mexe muito rapidamente sem motivo aparente e quando um volume financeiro incomum é observado em um determinado ativo. Em geral, porém, operações de insider trading são feitas em volumes pequenos, de forma a não chamar a atenção do regulador. O caso da Petrobrás destoa desse padrão.

No mercado, a avaliação é de que as características da operação dão todos os sinais de que se trata de um insider trading. Ou seja: uma operação feita por alguém que detinha informações de que Bolsonaro faria declarações na sua transmissão ao vivo nas redes sociais sobre a Petrobrás, na quinta-feira, 18 de fevereiro, e que a demissão ocorreria já no dia seguinte.

Bolsa já vinha monitorando operações fora do padrão regular envolvendo os papéis da Petrobrás. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Um ponto chama muito a atenção de quem acompanha de perto o assunto. A opção escolhida da ação da Petrobrás (a ação da petroleira negociada em bolsa possui dezenas de opções) em questão foi de uma que no jargão do mercado se chama “fora do dinheiro”. Isso quer dizer que, no momento da compra do papel, o seu exercício (o valor que o contrato estabeleceu para a venda) não compensaria se estivesse no momento de seu vencimento. Escolher uma opção que chamaria tanta atenção para se fazer um insider, não seria a melhor alternativa. É muito amador, segundo fontes do mercado.

Nesse caso em específico, tal investidor comprou no dia 18, uma quinta-feira, a opção de vender por R$ 26,50 a ação da Petrobrás em seu vencimento, poucos dias depois, no dia 22, mas a ação valia naquele momento R$ 29,27. Ou seja: quem comprou tinha a convicção ou grande crença que o papel cairia ao menos 9%, ou aquela transação lhe causaria perdas financeiras. As ações, no dia seguinte e com as notícias públicas da troca do comando da Petrobrás, caíram cerca de 20% em apenas um dia.

Na investigação em andamento, os reguladores - tanto a BSM quanto a CVM, que mantêm uma investigação paralela - se debruçam, no início, em torno do investidor em si e de seu perfil, histórico de negociação e sua carteira de ativos. Se o investidor por trás dessa operação com papéis da Petrobrás, por exemplo, for um novato na Bolsa, o indício de irregularidade é grande, já que opções são operações um pouco mais arrojadas. Essa investigação também vai analisar como os ativos se comportam com a proximidade de determinados eventos, até mesmo uma live do presidente. A Tullet Prebon, a corretora que foi origem das operações, é regulada pela CVM, que poderá solicitar informações adicionais para compor a investigação.

Via de regra, caso o autorregulador chegue a uma conclusão que considere suspeita, poderá acionar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A CVM, por sua vez, pode encaminhar o caso ao Ministério Público e a Polícia Federal. O uso de informação privilegiada é crime contra o mercado de capitais com pena de reclusão prevista em lei.

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No caso da operação com a Petrobrás, o indício de crime é bem alto, no entendimento de especialistas, porque esse investidor comprou a opção praticamente com um dia antes do vencimento, tornando a operação extremamente arriscada - a não ser que se houvesse uma certeza de que a ação amanheceria o próximo pregão com uma das quedas mais fortes de sua história em um único dia, algo que tornou, ao final, a transação lucrativa.

No entanto a dificuldade de se provar um insider é grande. Isso porque é difícil provar que determinada pessoa tinha, de fato, informação privilegiada e que a usou para ganhar dinheiro de forma ilegal. Na Petrobrás, o clima de tensão já era crescente e conhecido, diante do aumento dos combustíveis e pressão crescente vindo dos caminhoneiros. Por isso, um investidor poderia fazer essa aposta. No entanto, nesse caso chamou a atenção o tamanho do valor gasto na compra desse contrato, de R$ 160 mil, e em uma aposta muito arriscada. 

Procurada, a CVM disse que acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, “tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário. A Autarquia não comenta casos específicos”. Já a B3 não comentou.