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Operação rescaldo

Não será tarefa trivial convencer a sociedade de que a festa acabou e há enorme conta a ser quitada

Por Clovis Panzarini
Atualização:

“Se os fatos não se adequam à teoria, mude os fatos” (Albert Einstein)

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Após um incêndio, o trabalho de resfriamento das estruturas é fundamental para impedir o ressurgimento de novos focos de combustão. Só então se pode pensar em restauração, em volta à normalidade. O Brasil, para reassumir a trajetória de crescimento, terá de passar por árduo trabalho de rescaldo após a recente defenestração do governo que a cada decisão equivocada, a cada gatunagem, incendiava o crescimento econômico. Imolando a economia, acabou sendo imolado pelas regras constitucionais que descumprira.

A operação rescaldo nos escombros das contas públicas, esfaceladas pelo jeito petista de governar (rombo superior a 10% do Produto Interno Bruto – PIB), é condição necessária para recolocar o País no caminho do crescimento sustentável.

O saldo da incompetência e do voluntarismo é assustador: dois anos seguidos de profunda recessão econômica, 12 milhões de desempregados, inflação fora de controle, dívida pública explosiva, empresas estatais destroçadas e perda do grau de investimento. Como os resultados não se adequaram à teoria fundamentalista da Nova Matriz Econômica, os seguidores da seita tentam mudar os fatos e a narrativa da tragédia, atribuindo ao desaquecimento da economia global, à oposição irresponsável e à mídia golpista as causas do descarrilamento do trem da ilusão, movido a gasto público financiado por operações de crédito, contabilizadas ou enrustidas.

O saneamento das contas públicas, ainda que feito de forma gradativa, imporá sacrifícios da sociedade. A rigidez orçamentária (os gastos obrigatórios respondem por quase 90% do total) decorrente de regras constitucionais deixa inexpressiva margem de manobra para a busca do reequilíbrio. Não há carga tributária que suporte o crescimento inercial da despesa, que evolui persistentemente a taxas superiores à do PIB. Em 2000, as receitas e as despesas não financeiras do governo federal equivaleram, respectivamente, a 19,5% e a 17,9% do PIB. Sobrou, portanto, 1,7%, o tal superávit primário, para suportar parte dos juros da dívida pública, que naquele ano equivaleram a 3,8% do PIB. A diferença (2,1%) foi financiada por dívida nova.

Quinze anos depois (2015), a receita e as despesas não financeiras da União evoluíram, respectivamente, para 21,1% e 23,1% do PIB: déficit primário federal de 2% do PIB. Consideradas as despesas com juros (6,7% do PIB), o déficit nominal do governo federal no ano passado alcançou o incrível patamar de 8,7% do PIB. As despesas sobem de elevador; as receitas, pela escada.

Somado ao déficit dos Estados e dos municípios, a tragédia fiscal de 2015 mediu 10,4% do PIB, ou R$ 631 bilhões, quase um terço da carga tributária. E para 2016 já está contratado um déficit primário de R$ 170 bilhões, cerca de 2,5% do PIB, e o rombo previdenciário, hoje, é coberto basicamente por tributos sobre o consumo, responsável por 87% dele (R$ 149 bilhões).

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O déficit nominal – a exata medida do desequilíbrio fiscal – é suprido por dívidas novas, cujos juros pesam cada vez mais no bolso dos contribuintes. Os juros da dívida pública, que no ano 2000 consumiram 11% da carga tributária, no ano passado devoraram quase 25% (8,5% do PIB).

Solução. Não há solução para as contas públicas – e, por decorrência, para a crise econômica – sem a eliminação de amarras constitucionais que impõem expansão inercial das despesas e alimentam o desequilíbrio fiscal, causa maior da tragédia econômica. É imperiosa a instituição de um modelo previdenciário minimamente condizente com a evolução dos parâmetros demográficos para resguardar o equilíbrio atuarial, deixando de impor à sociedade um peso que explica a quase totalidade do rombo fiscal. E também uma reforma tributária que busque um sistema mais justo e eficiente.

Não será tarefa trivial convencer a sociedade – especialmente os inebriados pela falsa percepção de que dinheiro público nasce em árvores e em pedaladas – de que a festa acabou e há enorme conta a ser quitada.

*Economista, sócio-diretor da CP Consultores Associados, foi coordenador da Administração Tributária Paulista

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