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Orçamento e reforma política

O processo orçamentário é uma das mais importantes instituições da República. Por intermédio dele são definidos a carga e a estrutura tributária e o volume e a estrutura dos gastos públicos, ou seja, quem vai se beneficiar e quem vai arcar com os custos dos gastos públicos. No regime democrático, cabe ao Poder Executivo produzir anualmente uma proposta de orçamento, que é enviada para a análise do Poder Legislativo. O Parlamento discute, modifica - por intermédio de negociações entre os partidos que apoiam o governo e os partidos de oposição - e aprova a proposta. Uma vez aprovada, o Poder Executivo a sanciona (ou veta) e implementa o que foi negociado e aprovado. As negociações se encerram quando o Orçamento é aprovado. Caso seja necessário, por razões não previstas, mudar o Orçamento ao longo do ano fiscal, o Executivo envia uma proposta de aditivo ao Legislativo, que precisa passar por um processo similar de aprovação. Em outras palavras, uma vez aprovado e sancionado, o Orçamento é obrigatoriamente executado pelo governo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a não aprovação do Orçamento em tempo hábil simplesmente para o governo. O Brasil inovou neste processo ao criar o orçamento autorizativo. O Orçamento é enviado pelo Executivo ao Legislativo, discutido, negociado e aprovado. Mas o Legislativo apenas autoriza a implementação da peça orçamentária (exceto pelas emendas parlamentares), cabendo ao Executivo decidir, ao longo do ano fiscal, o que será executado ou não. O fato de o Orçamento no Brasil ser autorizativo cria incentivos extremamente perversos para a atividade política. Em primeiro lugar, como cabe ao Executivo decidir o que será implementado, o governo utiliza o poder de liberar os recursos destinados a financiar programas de interesse dos parlamentares para negociar o apoio deles a projetos de seu interesse. Em outras palavras, o Legislativo se torna “refém” do Executivo ao longo de todo o ano fiscal, cria-se um incentivo à cultura do “é dando que se recebe”, gera corrupção e reduz significativamente a independência entre os Poderes. Em segundo lugar, como os parlamentares sabem que suas propostas não necessariamente serão executadas, eles inflam artificialmente as estimativas de receitas para criar espaço para aumentar suas próprias propostas e, com isso, aumentar a probabilidade de que alguma delas seja efetivamente executada ao longo do ano fiscal. O resultado é que, uma vez aprovado o Orçamento, o governo, sem consultar o Legislativo, emite um decreto de contingenciamento, que tem por função cortar as estimativas de receitas e despesas e eliminar os excessos criados durante a discussão do Orçamento. Além de ser um “corte de ar”, no sentido de que está sendo cortado o que foi superestimado, é uma medida autoritária, implementada sem nenhuma consulta ao Legislativo. Este ano, o “corte” foi de R$ 69,9 bilhões. Em terceiro lugar, cria-se um incentivo a engessar o Orçamento, com vinculações de receitas a determinados setores para evitar que o Poder Executivo, unilateralmente, decida não executar os programas que a maioria parlamentar considera prioritários. Em geral, essas vinculações têm objetivos meritórios, atendem a setores prioritários, como saúde, educação, etc., mas tornam a execução orçamentária difícil, rígida e ineficiente. Reforma política. Tornar o Orçamento público impositivo deveria ser uma das prioridades de uma reforma política. Ou seja, uma vez aprovada a peça orçamentária, o Executivo deveria obrigatoriamente implementá-la, e as alterações necessárias ao longo do ano fiscal deveriam ser negociadas e aprovadas pelo Congresso Nacional. Dessa forma, aumenta-se a independência entre os Poderes e reduz-se o potencial para a utilização do Orçamento para barganha política e corrupção. Ainda que não seja uma condição suficiente para acabar com a máxima franciscana do “é dando que se recebe”, é, certamente, uma condição necessária para atingir tal objetivo.

Por José Márcio Camargo
Atualização:

*José Márcio Camargo é professor titular do Departamento de Economia da PUC/Rio e economista da OPUS Gestão de Recursos

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