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Orçamento? Que treco é esse?

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Por Rolf Kuntz
Atualização:

Ninguém pode prever quanto o governo federal vai gastar este ano, nem como fechará as contas. Isso não deve fazer muita diferença no Palácio do Planalto ou na vizinhança. O presidente anunciou ontem um plano de R$ 34 bilhões para a construção de 1 milhão de residências. Nenhum ministro contou qual será o impacto desse programa de vários anos nas contas federais de 2009 - quanto entra e quanto se corta para compensar. Anteontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu "olhar com muito carinho" a situação das prefeituras, afetadas pela diminuição das verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FMP) - uma consequência da menor arrecadação do Tesouro. Como resolverá o problema ele também não disse. No mesmo dia, na inauguração de uma fábrica da Sadia em Vitória de Santo Antão, ele defendeu o aumento do gasto, sem se lembrar dos detalhes aritmético-financeiros. Um plano de estímulo à construção civil pode ser uma boa ideia, mas parece difícil chamar de plano as promessas divulgadas ontem pelo governo. Foram mencionados números e fontes de recursos - o Tesouro e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço -, mas não se revelaram detalhes da execução nem do ritmo de desembolso. "Precisaremos criar um comitê de gestão desse programa", disse o presidente, numa frase mais que reveladora: é praticamente uma confissão do despreparo do governo para administrar esse empreendimento. O programa, disse Lula, tem vários objetivos: enfrentar a crise financeira, resolver em parte o problema da moradia e gerar emprego e renda. "É quase emergencial", acrescentou. Pouco antes, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, havia assegurado: não se trata de uma ação de emergência, mas de um componente do modelo de desenvolvimento do governo Lula. Mas o programa, admitiu, tem uma função anticíclica. Para que tanto palavrório? Que se trate de uma resposta à crise, e de uma resposta com forte conteúdo político, não é novidade, até pela indisfarçável improvisação. Mas sobra a pergunta: como fica o orçamento de 2009? Na semana passada, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, anunciou um corte de gastos de R$ 21,6 bilhões, diante de uma estimativa de perda de receita superior a R$ 40 bilhões. Essa revisão já não era convincente, mesmo sem se levar em conta o programa habitacional, ainda sem números fechados naquele momento. Quanto aos municípios, permanece o mistério. Ou o presidente apenas falou aos prefeitos para sossegá-los e empurrar o problema para a frente, ou tentará arranjar dinheiro do orçamento para compensar a redução das transferências constitucionais. Como estas dependem da arrecadação de impostos federais, não há como alterá-las arbitrariamente. Mas, se o presidente quiser aumentar as transferências voluntárias, terá de cortar outras despesas ou de podar o superávit primário, já em situação de risco. Em reunião na Câmara dos Deputados, ontem de manhã, a secretária da Receita, Lina Vieira, foi mais clara: os municípios vão ter de se adequar à nova realidade. Estará o presidente de acordo com essa vergonhosa submissão à aritmética? Em Vitória de Santo Antão, anteontem, o presidente Lula havia apresentado sua versão do keynesianismo fiscal. Quando surge uma crise, comentou, logo se fala em ajuste, em contenção de despesas. "Não", insistiu Lula. "Essa crise, para que a gente a vença, nós temos que fazer mais investimentos, nós temos que gastar dinheiro com coisas que gerem projetos de infraestrutura, que gerem empregos e que gerem uma credibilidade na sociedade, de que nós estamos fazendo a coisa certa." Linguagem à parte, ele tem razão num ponto: é preciso aumentar o investimento público. Mas o ponto positivo é só esse. Qualquer investimento? Não, certamente, se forem aqueles projetinhos paroquiais contemplados nas emendas de parlamentares. Esse tipo de gasto não cabe num orçamento federal decente, muito menos em tempo de crise. E por que não podar o custeio improdutivo? Nesse ponto o presidente não toca. Os cortes anunciados na última semana passam longe do aumento da folha de salários do funcionalismo, inflada seguidamente, nos últimos anos, como se a economia devesse crescer de forma ininterrupta por um decreto divino. Ou esse decreto nunca foi assinado, ou o Criador decidiu revogá-lo no trimestre final de 2008. Mas não revogou a aritmética orçamentária. *Rolf Kuntz é jornalista

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