13 de janeiro de 2021 | 16h16
BRASÍLIA - O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) relatou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) os problemas no Amapá sete vezes antes do apagão que deixou o Estado às escuras por mais de 20 dias em novembro. Ao longo do ano passado, o ONS reportou mensalmente que um dos três transformadores da subestação Macapá estava parado para manutenção e, por quatro vezes, chegou a alertar sobre os riscos de a situação gerar sobrecarga.
A fiscalização de empresas do setor é atribuição exclusiva da Aneel. Mais de um terço dos funcionários da agência têm acesso a esses relatórios: ao menos 225, de um total de 672, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
A subestação de Macapá que pegou fogo é operada pela Linhas de Macapá de Transmissora de Energia (LMTE) e deveria ter três transformadores disponíveis para atender o Estado. Mas apenas dois estavam em funcionamento em 3 de novembro, quando aconteceu o incêndio. Um dos equipamentos foi danificado, o outro ficou comprometido por sobrecarga e parou de funcionar, o que deixou o Estado no escuro por quase quatro dias. O terceiro, que serve como “backup” para evitar apagões, estava inoperante desde 30 de dezembro de 2019, como apontou o ONS.
A primeira etapa da apuração de um problema no setor começa na própria concessionária, que deve informar a indisponibilidade de equipamentos quando eles estão há mais de 90 dias fora do sistema. Esses dados são repassados pelo ONS por boletins mensais, que informam falhas e interrupções de energia Sistema Interligado Nacional (SIN). À Aneel, caberia fiscalizar as informações apurados pelo operador, cobrar uma solução por parte da empresa e aplicar punições, em casos de negligência ou omissão comprovada.
Os relatórios mensais do ONS trazem informações sobre todas as instalações indisponíveis há mais de 90 dias. O primeiro relato foi feito à Aneel em abril, com dados relativos a março - oito meses antes do apagão que deixou o Estado sem luz. O alerta foi repetido em todos os seguintes, dos meses de maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro.
O ONS foi além e relatou ainda o risco de problemas no fornecimento do serviço. Em quatro relatórios aos quais os técnicos da Aneel têm acesso, o Operador apontou que a perda de outro transformador poderia provocar sobrecarga no remanescente - o que de fato aconteceu.
Os relatórios mostram que a LMTE adiou continuamente o prazo para a volta do funcionamento do transformador danificado. A reportagem apurou que a empresa informou que o equipamento voltaria a funcionar em janeiro, depois em fevereiro e por fim em março. Quando os primeiros 90 dias passaram e o problema passou a fazer parte do relatório mensal, a concessionária previa que o reparo fosse concluído em maio. No último boletim antes do apagão, o prazo era 4 de novembro, o que também não foi cumprido. A Aneel reconheceu que não enviou equipes para fiscalizar a subestação ao longo do ano passado.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, a empresa levou quase um ano para enviar o transformador para o conserto. O transporte do equipamento, que estava parado desde dezembro, só começou após o apagão, no dia 15 de novembro. A Gemini Energy (formada pelos fundos de investimento Starboard e Perfin) detém 85% de participação na linha e 15% são da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), autarquia do governo federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
O apagão no Amapá é apurada pela Aneel e não há prazo para conclusão do processo. Um relatório da análise inicial da agência, de caráter reservado, teve parte dos termos divulgados pela TV Globo e apontou que falhas do ONS e da empresa responsável pela subestação causaram o apagão.
Os termos de notificação foram enviados pela Aneel em 22 de dezembro e poderão ser respondidos até a próxima semana, no dia 21. A agência só irá emitir um posicionamento final sobre o processo após análise dessas informações. As partes envolvidas podem recorrer da decisão administrativamente. Se não concordarem com a conclusão, podem ir à Justiça.
Em nota, o ONS confirmou o recebimento do documento e afirmou que irá se manifestar dentro do prazo previsto, “prestando os devidos esclarecimentos e apresentando as evidências para demonstrar que atuou conforme suas atribuições legais e dispositivos regulatórios”.
A LMTE, responsável pela subestação, afirmou que “não houve negligência” na operação. Em nota, a empresa afirmou que as causas do apagão ainda estão sendo apuradas e não foi “encontrado qualquer indício de que o problema seja ligado à manutenção dos equipamentos pela LMTE ou a problemas por parte da gestão da companhia.”
“Ressaltamos ainda que um conjunto de fatores levou à perturbação do sistema Macapá, tais como falta de redundância, falta de planejamento, falta de sistema de proteção que deveria estar previsto no projeto, o que sinaliza que deve-se estender a fiscalização para outros entes setoriais”, diz a nota.
Um relatório inicial de análise da perturbação, feito pelo ONS no início de dezembro, mostra que houve defeito nos transformadores utilizados pela LMTE na subestação Macapá. O documento levantou ainda a hipótese de que houvesse problemas no isolamento dos equipamentos. A LMTE tem 90 dias para responder aos termos do relatório - que funcionaria como uma espécie de caixa preta para acidentes aéreos.
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