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Órgãos defendem aplicação do CDC para bancos

Tanto Idec como Procon discordam sobre a ação dos bancos no STF contra a aplicação do CDC. Para os órgãos de defesa do consumidor, uma decisão favorável aos bancos seria prejudicial, pois o cliente ficaria desprotegido e só teria um único lugar para reclamar: no BC.

Por Agencia Estado
Atualização:

A polêmica sobre as regras que regem o relacionamento entre bancos e correntistas voltou à tona com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), no Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro do ano passado. A ação pretende livrar bancos, financeiras e administradoras de cartão de crédito do cumprimento do CDC, com base no artigo 192, da Constituição Federal (veja mais detalhes nos links abaixo). De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), se o STF julgar a ação procedente, o consumidor inevitavelmente sairá perdendo, pois ficará sem o respaldo da lei. A ação deverá ser julgada após o retorno das atividades do Supremo, este mês. O principal argumento da Consif é de que o artigo 192 da Constituição Federal estabelece que o sistema financeiro deve ser regulamentado por lei complementar. Como o CDC é uma lei ordinária, não se aplicaria ao setor financeiro. Para o Idec, o argumento não faz sentido, uma vez que a lei complementar, reclamada pela Consif, tem uma finalidade diferente do CDC. O Código estabelece regras para as relações de consumo entre consumidor e fornecedor. Entre elas, dispõe das partes e seus deveres, como publicidade, contratos, defeitos de serviços, garantias, além de sanções civis, penais, administrativas cabíveis e outras práticas comerciais. A lei complementar, por sua vez, regulamenta as questões relativas ao funcionamento das instituições financeiras, o que em nenhum momento é o objetivo do CDC. Bancos trazem problemas a consumidor Mesmo sob a proteção do CDC, o consumidor costuma ter muitos problemas com os bancos. No ano passado, por exemplo, o Idec recebeu 1.100 reclamações contra as instituições financeiras, 550 contra empresas de cartão de crédito e 283 contra seguradoras. A lista negra do Procon-SP - órgão de defesa do consumidor ligado ao governo estadual - reitera a quantidade expressiva de queixas voltadas ao segmento bancário. De acordo com Maria Inês Fornazaro, diretora executiva do órgão, até novembro do ano passado, foram mais de 12 mil consultas e reclamações. Segundo a revista Consumidor Jurídico, apenas no Fórum Cível Central de São Paulo foram ajuizadas 5.773 ações contra sete bancos no mesmo ano e as decisões na Justiça têm sido favoráveis ao consumidor. O Idec reitera que o CDC garante o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. E coloca a seguinte pergunta: que motivos levam as instituições financeiras a atacar, com tanta insistência e sem fundamentos, uma lei que estabelece a ética, a justiça e os direitos sociais básicos? CDC é a lei mais completa Ainda mais porque o CDC, de acordo com a entidade, representa a proteção mais completa com a qual o cliente bancário pode contar. O Idec alerta que, mesmo a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), instituída em julho do ano passado e vulgarmente conhecida como Código de Defesa do Consumidor Bancário, possui falhas e sofreu alterações fundamentais que prejudicam a defesa dos direitos dos consumidores. Esta resolução - alterada em setembro - foi o início da polêmica entre os órgãos de defesa do consumidor e as instituições financeiras. Na Justiça, porém, o CDC vem prevalecendo. O Idec lembra ainda que esta não é a primeira vez que os bancos tentam se livrar das regras do CDC. Há exemplos de mais de uma década atrás, como os dos planos Verão (1989) e Collor (1990). A entidade mantém uma luta na Justiça para recuperar as perdas da poupança de seus associados ocasionadas pela promulgação desses planos. Pela via judicial, o Instituto já devolveu mais de R$ 8,6 milhões para os consumidores associados. Procon também defende CDC O Procon-SP - órgão de defesa do consumidor ligado ao governo estadual - também está preocupado com a ação da Consif no STF. Para o órgão, o que as instituições financeiras querem é substituir o CDC pela Resolução 2.892 de 26 de setembro de 2001 do CMN, que teria como objetivo regulamentar a relação entre instituições financeiras e seus clientes, vulgarmente conhecida como Código de Defesa do Consumidor Bancário. Segundo o órgão, essa substituição poderia lesar tanto quem já possui uma ação na Justiça quanto quem venha a ser lesado no futuro. De acordo com Maria Inês Fornazaro, diretora executiva do Procon-SP, essa ação não procede. "Ela não tem chance de prosperar. O Código de Defesa do Consumidor Bancário é segmentário, pois separou algumas cláusulas do CDC", disse ela. "É um CDC mutilado", completou. Para a diretora, não há por que ter um código diferente para bancos, já que está estabelecido que a relação cliente-instituição financeira é uma relação de consumo e, dessa maneira, sujeita às regras do CDC. Para ela, o Código de Defesa do Consumidor é completo. "É uma lei que em março completará 11 anos. Como a sua aplicação em um determinado segmento poderia ser declarada inconstitucional?" De acordo com Maria Inês, o consumidor sairia lesado com o chamado Código de Defesa do Consumidor Bancário. "Existem muitas ações na Justiça contra os bancos", disse ela. "Muitas delas já estão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os bancos já viram que vão perder e, se conseguirem revogar o CDC, esses processos não poderão continuar", completou. Maria Inês preocupa-se com a possibilidade do STF dar ganho de causa aos bancos, pois os direitos do consumidor seriam muito prejudicados. "Com a vigência do chamado Código de Defesa do Consumidor Bancário, as reclamações não poderiam mais ser feitas no Procon: elas seriam então encaminhadas ao Banco Central (BC). Mas será que o BC teria condições de atender a todas essas pessoas?" Segundo o Procon-SP, os bancos estão em segundo lugar no número de reclamações, só perdendo para o setor de telefonia. Hoje, o presidente do BC, Armínio Fraga, afirmou em entrevista ao programa "Bom Dia, Brasil", da TV Globo, que os clientes devem ligar para o telefone de atendimento ao público do Banco Central para fazer suas reclamações. Segundo ele, o papel de defesa do consumidor na relação com os bancos é da instituição que vem se empenhando neste sentido (veja detalhes no link abaixo). Idec divulga alterações caso o CDC não se aplique Caso os bancos não tenham mais de respeitar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), as regras que estabelecem as relações entre clientes e instituições financeiras serão outras. Para mostrar o que muda, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou a tabela abaixo com as alterações possíveis se o STF decidir pela não aplicação do CDC em relação à prestação de serviços bancários. Situação O que diz o CDC O que pode acontecer sem o CDC Cobrança indevida Consumidor tem direito à devolução em dobro (artigos 39, V e 42, parágrafo único). Ficará mais difícil discutir e mesmo provar a cobrança indevida e o consumidor não terá direito à devolução em dobro. Falha em transação eletrônica Banco responde, independentemente do motivo (artigos. 6o, VI e 20). Demonstrando falha não intencional, o banco ficará isento do dever de indenizar o consumidor. Inclusão indevida no Serasa, enquanto a dívida é discutida na Justiça É proibida (artigos 39, V, 42 e 43, parágrafo 1o). Há decisões judiciais nesse sentido, inclusive no STJ. Banco poderá manter o nome do consumidor nos cadastros de inadimplentes, mesmo com ação na Justiça. Cláusula contratual abusiva É proibida (artigo 51). Há decisões judiciais que garantem a nulidade destas cláusulas. Mesmo proibidas, essas cláusulas ainda são freqüentes nos contratos bancários, de créditos e de seguros. Sem o CDC, a situação poderá se agravar. Envio de produto sem prévia solicitação É proibido (artigo 39, III). O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) já multou administradoras de cartões de crédito por esse envio. Essa prática que vem sendo reprimida, especialmente pelo DPDC, poderá se intensificar, prejudicando o consumidor. Não entrega do contrato É proibida (artigos 6o., III e 46). Sem o prévio conhecimento do contrato, consumidor não é obrigado a cumpri-lo. Essa prática, que só recentemente vem sendo obedecida pelos bancos, poderá deixar de ocorrer. Desconto na liquidação antecipada de financiamento É obrigatório (artigo 52, parágrafo 2o.). Esse dever legal que hoje enfrenta a forte resistência dos bancos, poderá deixar de existir. Clonagem e roubo de cartão Banco responde (artigo 6o, inciso VI e artigo 20), até mesmo antes de ser comunicado pelo consumidor. Há decisões nesse sentido. Demonstrando falha não intencional, o banco ficará isento do dever de indenizar o consumidor. Extravio de talão de cheques enviado pelo correio Banco responde, independentemente da existência de culpa (art. 6o, VIII). Demonstrando falha de terceiros ou não intencional, os bancos não serão responsabilizados. Multa de mora superior a 2% É proibida (artigo 52, parágrafo 1o). Há muitas decisões judiciais proibindo essa prática. O DPDC/MJ aplicou multas a administradoras de cartões de crédito. As cobranças poderão ser superiores a esse limite e voltariam à prática anterior, com multas entre 10% e 20%. Venda casada, por exemplo cheque especial e seguro de vida É proibida (artigo 39, I). Essa prática abusiva pode se tornar mais freqüente e o consumidor estará desprotegido. Manutenção do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes por mais de cinco anos É proibida (artigo 43, parágrafo 1o). Há muitas decisões judiciais nesse sentido, inclusive no STJ. O nome do consumidor poderá ser mantido por tempo indefinido. Juros abusivos É proibido (artigo 39, V e 51, IV). Há muitas decisões judiciais nesse sentido, inclusive no STJ. Ficará mais fácil para as instituições financeiras a cobrança de juros ilimitados. Escolha do foro para ação judicial CDC prioriza a defesa dos interesses do consumidor em Juízo (artigo 6o, VIII). Há decisões judiciais. As ações judiciais contra os consumidores, por exemplo, na cobrança de dívidas, serão feitas no foro da instituição financeira e não do consumidor, dificultando sua defesa.

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