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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Os cupins da democracia

Riscos à democracia no Brasil se intensificam com o autoritarismo do atual governo e suas tentativas de controle das instituições e da opinião pública por meio das redes sociais e acionamento das milícias populares

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Atualização:

Democracia também morre por dentro, pelo uso de regras democráticas. A gente sabe disso muito antes da publicação do livro de Steven Levitsky e de Daniel Ziblatt (Como as democracias morrem), de 2018. O nazismo chegou ao poder na Alemanha pelo voto; a anexação da Áustria aconteceu em março de 1938 por plebiscito.

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Hoje, os governos totalitários ou ditatoriais procuram chegar e manter-se no poder não mais com golpes de Estado clássicos, com tanques de guerra nas ruas e imposição dos militares, mas pelo voto e, depois, pelo controle paulatino das instituições e pela manipulação dos novos canais das comunicações de massa. E é isso que alguns analistas temem que aconteça no Brasil, onde a cultura democrática parece vulnerável às ações dos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamou de “cupins da democracia”, em seu livro mais recente Um intelectual na política (Companhia das Letras).

Quais seriam esses cupins? O mais antigo deles é o patrimonialismo, que é a utilização do Estado para interesses próprios, como se de direito fosse. O Brasil nasceu patrimonialista. A expressão mais importante no passado colonial foi a criação das Capitanias Hereditárias. Os contemplados podiam mandar e tirar proveito próprio das riquezas dos territórios que lhes foram designados pela Coroa. Com altos e baixos, essa simbiose entre governo e patrimônio perdurou durante o Império. Alguns autores entendem que a justificativa para manutenção da estrutura patrimonialista mudou alguma coisa depois da abolição, na medida em que foi tomada como compensação às elites pela perda dos benefícios obtidos na utilização da mão de obra escrava. Assim, perdura a ideia de que quem está no governo tem o “direito” de aumentar seu patrimônio com recursos públicos, não propriamente apoiado pela lei, mas pelo princípio de que quem reparte tem de ficar com a melhor parte.

Corrupção, ineficiência, malversação dos recursos públicos, aumento da pobreza e falência da governança são subprodutos dessa cultura térmita que corrói a democracia. Ilustração: Marcos Müller/Estadão Foto:

Outro cupim é o corporativismo. Certas camadas da sociedade entendem que podem se apropriar de benefícios distribuídos pelo Estado em proveito de sua categoria. No primeiro período getulista, o corporativismo foi assumido como modelo de governo, espelhado no que foi o estado corporativista da Itália, dos anos de Mussolini. Esse tipo de distribuição de regalias foi ficando. Funcionários públicos, funcionários de empresas estatais, sindicalistas, empresários, membros do Judiciário e das polícias vêm se aproveitando desse jogo.

As chamadas “bancadas” suprapartidárias no Congresso operam com esse objetivo. Não necessariamente precisam eleger representantes no Legislativo. Sempre darão um jeito de obter a adesão de alguns deles em benefício próprio. O presidente Jair Bolsonaro ajudou a empurrar os militares para esse barco. Hoje há mais de 6 mil deles no seu governo. Já não batalham apenas pelo aumento de verbas destinadas a reequipar as Forças Armadas, mas, também, para obter vantagens pessoais, em adicionais de salário e de aposentadoria – que ultrapassam o teto constitucional, atualmente em R$ 39,2 mil. Vai ser difícil cortar essas mamadeiras.

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Outra velha instituição informal que sabota a democracia no Brasil é o nepotismo. É nomeado para um cargo público não o mais apto e o mais competente, mas o que tem laços de parentesco que garantem apoio político ao chefe.Os chamados “familismo” e “cupinchismo” são variantes genéticas do mesmo cupim.

E há os instrumentos de execução dessa política velha. O excesso de burocracia joga a favor desse tipo de doença, porque a criação de dificuldades é o meio pelo qual se assegura a distribuição de certas facilidades. A cultura da “carteirada” e do “furafilismo” procura impor privilégios. E tem o “mandonismo”, que Fernando Henrique identifica na velha fórmula: “Você sabe com quem está falando?”.

Demagogia e as políticas do medo e do ressentimento são consequência. Os movimentos populistas não são mais exercidos pelo controle da sociedade pelo partido único, mas pelo controle da opinião pública via manejo das redes sociais e acionamento das chamadas milícias populares.

Corrupção, ineficiência, malversação dos recursos públicos, aumento da pobreza e falência da governança são subprodutos dessa cultura térmita que corrói a democracia.

A pergunta da hora consiste em saber até que ponto a democracia está suficientemente consolidada no Brasil para defender a sociedade dessa morte “por dentro”.

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*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA 

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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