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Os gastos públicos não deveriam crescer?

Por Raul Velloso
Atualização:

É surpreendente que os seis anos de bonança externa que acabamos de experimentar não tenham sido aproveitados para produzir maior crescimento econômico no Brasil. Na raiz está a questão fiscal: apesar dos superávits fiscais elevados, os gastos públicos correntes sobem sempre e congestionam o funcionamento da economia, sem falar, em muitos casos, na sua baixa qualidade. Na hora que, estimulada pelas variáveis econômicas, a demanda privada cresce a taxas mais elevadas, surgem os déficits externos e as pressões inflacionárias. Os primeiros porque, por definição, o excesso de demanda sobre a produção é o próprio déficit externo. Os segundos porque, por mais que a oferta se amplie via importações, há muitos bens e serviços (como infraestrutura e energia elétrica, por exemplo) que não podem ser importados, senão excepcionalmente. Para combater esses problemas, o melhor é reduzir os gastos públicos correntes, algo que a maioria dos governos nunca faz. A saída é os bancos centrais subirem a taxa básica de juros (no Brasil, a Selic) para, em vez disso, reduzir os gastos privados, ainda que essa medida tenha como subproduto a queda do investimento privado, reduzindo a ampliação da capacidade interna de produção. Como a inflação resulta de capacidade insuficiente para atender à demanda interna, resta um aumento desproporcional dos juros para se alcançar o objetivo desejado. É por isso que as taxas nacionais estão entre as maiores do mundo. A crise atual nos atingiu por meio de vários canais. Uns trazem pressões inflacionárias adicionais (pela subida da taxa de câmbio, por exemplo), outros aliviam essas mesmas pressões (pela queda na produção e nos preços internacionais de vários produtos). Na questão fiscal, há óbvia piora da solvência pública, que andava bem ultimamente. Caem os dois principais determinantes da razão entre a dívida pública e o PIB - o superávit fiscal e a taxa de crescimento econômico -, levando à sua escalada. Algum alívio pode surgir do comportamento do custo implícito da dívida, mas, aqui, a queda da Selic real (taxa Selic menos inflação) será necessariamente suave e lenta - pois a inflação está caindo - e há o aumento dos subsídios de juros nos empréstimos do BNDES. Essa é a primeira razão pela qual o governo tem de pensar muito antes de sair aumentando gastos. Existe uma outra: o vácuo aberto para novos gastos em razão de um predomínio inicial da queda da atividade econômica e da inflação deve ser ocupado por aumento do gasto privado, e não do gasto público. Isso se daria por meio de maiores quedas da Selic. Se tivermos paciência e deixarmos o assunto entregue, como está, a profissionais, o Banco Central (BC) certamente chegará lá. Derrubados os juros aumentam o investimento e o consumo privados, fazendo o oposto do período em que a inflação e o déficit externo aceleravam. É óbvio que o BC, que também administra a taxa de câmbio, olhará para o que está ocorrendo com os indicadores do nível de atividades, das contas externas e das perspectivas de inflação antes de definir a nova trajetória da Selic. Mas os investimentos públicos permanecem no fundo do poço. Com toda a dinheirama que fluiu para os governos nos últimos anos, os investimentos da União em transportes continuam muito próximos da média do período 1990-2006 (a propósito, acaba de ser divulgado o gasto de 0,21% do PIB no ano passado, ante média recente de 0,19% e picos ao redor de 1,8% nos anos 70). Vale a receita antiga: aumentá-los, compensando com queda nos gastos correntes. Adicionar novos investimentos financiados com recursos externos é aceitável no momento, pois acalma o mercado cambial. Além de enfrentar os problemas derivados da depreciação do real que ocorre nas crises, o Brasil poupa menos que 20% do PIB, sendo negativa a poupança pública. É menos da metade do que poupam os chineses, que acumularam US$ 2 trilhões de reservas, têm juros baixos e se dão ao luxo de fixar o câmbio (o que faz o dólar ser também sua moeda). Para eles, como para os norte-americanos, é hora de aumentar qualquer gasto. Por apresentarmos as maiores taxas de juros do mundo, o maior peso de gastos correntes rígidos no total e um desequilíbrio externo latente, só resta, no atual momento da crise, ir reduzindo os juros devagarzinho. Ou seja: a ideia de aumento dos gastos públicos correntes é um erro. Nem sempre o que funciona para chineses e norte-americanos é bom para a complexa economia brasileira. *Raul Velloso é consultor econômico

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