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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Os juros e os pobres

Se a atuação dos bancos centrais se transformar em instrumento de redistribuição de renda, sabotará sua principal função que é proteger o valor da moeda

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Foto do author Celso Ming
Atualização:

Juros altos beneficiam ou prejudicam os mais pobres? Até recentemente, ouvia-se apenas que os juros altos sempre favorecem os banqueiros os credores e os rentistas contra os interesses do assalariado. Pois agora, acontece o contrário. Por toda parte ouve-se a gritaria dos prejudicados pela política de juros baixos promovida pelos grandes bancos centrais.

Theresa May.Assim não dá Foto: REUTERS/Toby Melville/File Photo

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No início de outubro, a primeira-ministra da Grã-Bretanha, Theresa May, atacou os bancos centrais por praticarem juros muito baixos e, mesmo, negativos: “Pessoas com ativos ficaram mais ricas. Pessoas sem ativos sofreram. Pessoas com hipotecas viram suas dívidas ficarem mais baixas. Pessoas com poupanças se viram mais pobres. É preciso mudar isso”.

Nos países avançados, os juros estão no subsolo, porque os bancos centrais foram chamados a combater a crise. A decisão foi facilitar o crédito e incentivar os investimentos para turbinar a atividade econômica. Até que ponto conseguiram é objeto de discussões, porque, afinal, a economia mundial continua malparada.

Mas o ponto principal das críticas de Theresa May é o de que a atuação dos bancos centrais está concentrando renda e favorece os mais ricos.

Os juros muito baixos ou negativos produzem efeitos colaterais importantes: reduzem as dívidas, especialmente as hipotecárias; aumentam o valor dos títulos e das ações; pulverizam o rendimento dos fundos de investimento e dos fundos de pensão; e provocam deterioração das reservas técnicas das seguradoras. Esses efeitos não são neutros, transferem renda dos prejudicados para os beneficiários.

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O fato é que qualquer decisão de política econômica transfere renda, na medida em que gera ganhadores e perdedores. As omissões de política econômica, também.

O que é, por exemplo, a inflação senão corrosão dos salários e das poupanças, tanto pela desvalorização interna da moeda como pelo aumento real da arrecadação (imposto inflacionário) que passa a incidir sobre preços mais altos? Se um banco central aumenta os juros para combater a inflação, não está apenas puxando para cima o rendimento dos detentores de títulos; está trabalhando para combater a inflação e, portanto, para reduzir o estrago provocado pelo aumento de preços sobre o poder aquisitivo da população. Na medida em que procuram estimular o aumento da atividade produtiva, juros negativos também favorecem o trabalhador.

Enfim, qualquer coisa que um banco central faça ou deixe de fazer acaba por transferir renda. Pretender que se transforme em instrumento de redistribuição de renda, como parece exigir a primeira-ministra britânica, implica sabotar a principal função de um banco central que é dedicar-se a proteger o valor da moeda.

Outra coisa, bem diferente, é argumentar que a prática persistente de juros muito baixos pode inviabilizar a capacidade de um banco central de reativar a economia. É o que pode estar acontecendo agora, principalmente no Japão, cuja economia continua estagnada por mais reduzidos que sejam os juros. E se é verdade o que muitos analistas estão prevendo, ou seja, que vem aí novo ciclo recessivo, então os bancos centrais terão ainda menos munição para ajudar a levantar as economias. Afundarão eles ainda mais os juros hoje rastejantes?

CONFIRA:

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No trimestre móvel terminado em setembro, o nível de desocupação foi de 11,8%, o mesmo do trimestre móvel anterior. Conforme avalia o IBGE, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)  Contínua, havia, então, 12 milhões de pessoas desocupadas em busca de trabalho. O conceito de desocupação é mais preciso do que o conceito de desemprego, porque abrange não apenas as pessoas que procuram trabalho assalariado, mas, também, as que não conseguem exercer nenhuma outra atividade remunerada, como trabalho autônomo e profissão liberal.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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