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Ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore e Associados

Opinião|Os limites da política monetária

Um BC responsável não deve expor o governo ao risco de cair na dominância fiscal

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Atualização:

Em 2017 o PIB brasileiro cresceu 1,1% e esta taxa se repetiu em 2018. Logo após a eleição havia otimismo quanto à possível aceleração do crescimento em 2019, mas atualmente há quase um consenso de que, com boa dose de sorte, cresceremos apenas 2%. Por isso não tenho dúvidas de que dentro em pouco ouviremos clamores para que o Banco Central inicie novo ciclo de redução da taxa Selic.

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Além de já existir uma elevada dose de estímulos monetários – afinal a taxa real de juros ex-ante de um ano está significativamente abaixo da taxa neutra real de juros -, há uma vasta literatura acerca da independência do Banco Central à qual temos que prestar atenção. Tal literatura dá grande ênfase à independência política da instituição. Como as defasagens da política monetária são longas e o horizonte dos políticos é curto, se o Banco Central “entregasse” tudo o que os políticos pedem o resultado seria desastroso.

Igualmente importante, no entanto, é a sua independência com relação ao mercado financeiro, cujos horizontes são tão (ou mais) curtos que os dos políticos. Se o Banco Central “entregasse” tudo o que o mercado financeiro “pede”, e que aparece expresso na inclinação da curva de juros, em vez de cumprir a meta de inflação e criar a condição necessária para o crescimento estaria apenas aumentando os riscos e afastando-se da trajetória de equilíbrio.

Um exemplo é o que ocorreu em torno da metade de 2018. Em abril daquele ano o ramo curto da curva de juros tinha inclinação nula (a taxa de juros de um ano era de 6,5%, igual à Selic), com a taxa de 5 anos em torno de 9%. Entre julho e setembro, diante dos temores sobre a normalização monetária nos EUA; da reação governamental à greve dos caminhoneiros; e dos possíveis resultados da eleição, a taxa de um ano saltou para 8%, com a taxa de 5 anos situando-se entre 11% e 11,5%. O aumento da inclinação da curva levou participantes do mercado a clamar alto e claro por uma forte elevação da taxa Selic.

Felizmente a diretoria do Banco Central fechou os ouvidos àquele clamor, e em vez de olhar para a inclinação da curva prestou atenção ao expressivo hiato negativo do PIB. Um Banco Central bem servido por uma diretoria competente e ciente do seu mandato não poderia levar a sério aquele “pedido”. Se o tivesse aceito teria abortado o mísero crescimento de 1,1% ocorrido em 2018.

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Na comunicação ao mercado o Banco Central lançou mão das atas e comunicados do Copom, do Relatório de Inflação e das conversas mensais com economistas das instituições financeiras. Em consequência, os mercados se acalmaram e as críticas perderam intensidade, com a curva retornado à posição de abril ao final do ano.

Movimentos dessa natureza ocorrem em ambas as direções. Nas últimas semanas começamos a ouvir o “diagnóstico” de que o Banco Central já estaria se atrasando na “entrega” de uma redução da taxa Selic. Em nenhum momento neguei que diante da lenta recuperação cíclica e dependendo das circunstâncias poderemos (ou mesmo deveremos) assistir, na segunda metade de 2019, a um novo afrouxamento monetário. A circunstância chave para tal decisão é a remoção do risco de fracasso na consolidação fiscal, que depende da aprovação de uma robusta reforma da previdência. Nunca é demais lembrarmos que sem o devido “lastro” fiscal ocorrerá um aumento da percepção de riscos, com reflexos nos preços dos ativos. Uma de suas manifestações é o aumento da inclinação positiva da curva de juros o que, na melhor das hipóteses, reduz a eficácia da política monetária.

O governo está começando uma batalha pela aprovação de uma reforma da Previdência que leva a uma economia da ordem de R$ 1 trilhão em 10 anos. Mas isoladamente ela não é suficiente para garantir a consolidação fiscal, e nem há certeza de como será aprovada, o que torna precipitado o lançamento de mais estímulos monetários. Um fracasso mesmo parcial da batalha da Previdência exigiria do governo um resíduo de capital político para cobrir aquela falha. Mas tendo falhado na aprovação, a magnitude de tal resíduo seria muito pequena, comprometendo os próximos passos da política econômica.

O risco, nesse caso, é o de exposição do governo à dominância fiscal, no qual cai a eficácia da política monetária. Um Banco Central responsável não deve se expor a este risco.

*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

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Opinião por Affonso Celso Pastore
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