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Os polêmicos aliados de Dilma

Por Raul Velloso
Atualização:

Persistem dúvidas sobre: a real disposição do governo Dilma para realizar o programa de ajuste fiscal; a sinceridade do apoio a Joaquim Levy; a viabilidade da meta para 2015; e, por último, sobre o programa em si, que estaria penalizando a sociedade e, estranhamente, poupando o governo. Além disso, propõe-se que Levy reduza o tamanho do esforço. A meu ver, primeiro, o governo não teve escolha. Sem o programa, a situação econômica se deterioraria de tal forma que as coisas degringolariam de todo. Perderíamos a classificação de "bom pagador", haveria forte fuga de capitais e tudo o mais de ruim que sabemos. Ou seja, o instinto de sobrevivência está livrando Dilma de enfrentar os escândalos atuais num ambiente econômico mais sombrio. Pensando no futuro dos meus filhos, não posso concordar com a hipótese de o governo abrir mão do ajuste só porque negligenciou o equilíbrio fiscal nos últimos anos. Ou porque estaria roubando uma bandeira da oposição. Creio que, se Aécio Neves tivesse vencido e Armínio fosse o seu Levy, dificilmente estaria hoje implementando ajuste tão pesado. Simplesmente porque não precisaria fazer isso. Dada a credibilidade do novo governo, poderia optar por apenas escancarar a confusão herdada da gestão anterior, propondo depois um ajuste gradual. Mas como Aécio não ganhou as eleições, teremos de enfrentar as consequências. É do jogo democrático. E como um forte ajuste terá de ser feito, cabe perguntar se a meta de 2015 é viável. Minhas contas mostram que sim. Como o Orçamento não é impositivo e com o que puder ser obtido pelo lado da arrecadação, a conta fechará por meio de um contingenciamento dos gastos discricionários tão feroz como muitos já feitos no passado. Se a esta altura Levy reduzisse a meta, abalaria a credibilidade de sua política, uma das poucas coisas boas que ainda restam no combalido governo Dilma. Não se deve imaginar, contudo, que o ajuste será fácil ou sem custos para vários segmentos. E a fatura será cobrada do próprio governo. Nesse contexto, fica muito difícil de entender posicionamentos como os da Fiesp. Em artigo neste Estado, em 10/3, o presidente de um dos seus conselhos começa reconhecendo que a desorganização recente é responsável pela difícil situação econômica do momento e que Dilma acabou recorrendo a alguém que é a antítese do ministro anterior para arrumar a casa, roubando as políticas da oposição. Parece acreditar que o ajuste duro de Levy trará maiores problemas do que soluções para a economia, ao se misturar com outras mazelas que pululam por aqui. Sem a credibilidade que a oposição talvez tivesse caso ganhasse, o que se deveria fazer? Deixar o caos acontecer? Obviamente, não. Ao final, o dirigente parece recuar e reconhece que o duro programa de ajuste é essencial e deve ser apoiado. Mas, na opinião dele, o ônus deveria ser dividido com o governo, cortando gastos públicos em vez de aumentar os impostos. Dedução estranha, pois, primeiro, o ônus do corte de gastos não recai sobre essa entidade chamada governo, e, sim, sobre algum segmento beneficiado pelo Orçamento, a verdadeira vítima. Depois, porque é muito difícil aumentar impostos nas condições atuais. A conta será mesmo fechada do lado dos gastos que puderem ser empurrados para a frente no Orçamento. Logo, governo e Congresso ficarão devendo à sociedade a aprovação de reformas capazes de impedir a explosão dos gastos no médio e no longo prazos. Causa estranheza, também, que o mesmo político - e também presidente da Fiesp -, que antes capitaneara a defesa da política populista oficial de reduzir tarifas elétricas a qualquer custo, com o argumento de estar protegendo o ramo industrial, ainda que num quadro de aguda escassez de oferta desse insumo, hoje lidere, junto com sindicatos de trabalhadores, um inexplicável movimento antiajuste fiscal. Muy amigo, hein? O mesmo raciocínio vale para as lideranças do Congresso, que, mesmo sendo do PT, fazem de tudo para desfigurar o ajuste. *Raul Velloso é consultor econômico 

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