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Os riscos da redução de jornada

Por José Pastore
Atualização:

Numa hora em que o emprego encolhe e o desemprego dispara, nada mais aconselhável do que adotar a negociação para atenuar os danos sociais. A negociação não pode gerar empregos, é verdade, mas pode ajudar a preservar muitos dos empregos existentes. São dignos de cumprimentos os esforços de sindicatos laborais e de empresas que buscam evitar a dispensa, reduzindo jornada e salário. Com isso, as empresas retêm os empregados e estes retêm os seus empregos. É questão de bom senso. Ocorre que o bom senso não tem muito lugar na legislação trabalhista brasileira. Em muitos campos, ela tolhe a liberdade de empregados e de empregadores e não garante que o negociado tenha valor. No caso em tela, o Ministério Público do Trabalho vem alertando que as negociações sobre redução de jornada e de salário precisam seguir rigorosamente as regras estabelecidas na Lei nº 4.923/65. Caso contrário, os acordos celebrados podem ser anulados - basta que numa reclamação futura dos empregados o juiz considere uma daquelas regras como desrespeitada. E se os empregados não reclamarem? Mesmo assim a empresa pode ser acionada pelo sindicato laboral, que pelo instituto da "substituição processual" tem o direito de processar a empresa sem procuração ou autorização dos empregados. Mesmo que empregados e sindicato não acionem a empresa, o Ministério Público do Trabalho poderá fazê-lo. Essas hipóteses não são inventadas. Muitos acordos trabalhistas já foram considerados nulos pela Justiça do Trabalho, por iniciativa dos empregados, do sindicato ou do Ministério Público do Trabalho. Isso causa uma enorme insegurança jurídica para as empresas, que daqui a dois ou três anos, por causa da redução de jornada e salário, podem ser condenadas a pagar tudo o que não foi pago, mais encargos sociais, juros e atualização monetária. Nas várias notificações enviadas aos sindicatos, o Ministério Público do Trabalho enfatiza que a dificuldade econômica alegada pela empresa precisa ser "devidamente comprovada". Se numa ação judicial o juiz achar que a situação não foi devidamente comprovada, o acordo pode ser anulado. A subjetividade dessa exigência constitui uma verdadeira espada de Dâmocles para a empresa. Por que não deixar isso para as partes avaliarem na hora da negociação, e ponto final? Mais: a lei diz que a redução de jornada e salário só pode ser feita numa "condição que recomende" esse expediente. Mas o que constitui condição que recomende? Se exigirem a exibição de um quadro muito grave, é provável que a empresa quebre antes de fazer o acordo. Por que não tornar a avaliação feita pelas partes como definitiva? Uma outra exigência da lei é que se reduza obrigatoriamente o salário e as gratificações dos gerentes e diretores, na mesma proporção adotada para os empregados, no pressuposto de que eles também trabalharão menos em razão da redução de jornada. É na hora da crise que mais se precisa do trabalho dos gerentes e diretores. Cabe a eles fazer o possível e o impossível para evitar o pior - a quebra da empresa. E assim é a prática. Com frequência, gerentes e diretores passam noites sem dormir em busca de soluções. Como obrigá-los a ficar em casa? É como pedir ao comandante do Titanic que pare de trabalhar quando o navio ameaça trombar com o iceberg. Quando se começa a desfiar toda essa insegurança para a prática da livre negociação, muitos empresários chegam à triste conclusão de que o método mais seguro é o da demissão. Nesse caso, eles pagam todas as verbas rescisórias e fim de conversa. Consequência: as empresas perdem os empregados e os empregados perdem o emprego. Nada mais desumano. É incrível que uma lei instigue o pior. Mas assim é a lei do Brasil. Ela não dá guarida ao bom senso. Prefere o dissenso, a desconfiança e a confrontação. É na hora da crise que melhor se avalia a qualidade da lei. Se ela ajuda a mitigar a crise, é uma boa lei. Se ela faz o contrário, é uma lei de má qualidade. Mas isso pode ser acertado, e muito depressa, se o governo quiser. A Constituição federal diz que a medida provisória só pode ser usada quando o motivo for relevante e urgente. O que há de mais relevante e urgente do que salvar os empregos? Está ai uma sugestão. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer... *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo Site: www.josepastore.com.br

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