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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|Otimismo efêmero

Primeiros anos do governo Bolsonaro evidenciam que não é realista acreditar que reformas prosperem

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Atualização:

Assim que foram confirmadas as vitórias de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL) para as presidências do Senado e da Câmara, respectivamente, alguns analistas, e o mercado financeiro, em particular, imbuíram-se de expressivo otimismo. O raciocínio é linear: com dois governistas à frente das casas legislativas, aumentam as chances de aprovação da agenda econômica do governo, o que poderá destravar os investimentos e promover a retomada do crescimento.

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A realidade, no entanto, é bem mais complexa.

Manter as finanças públicas nos trilhos é condição necessária, mas não suficiente para garantir o crescimento sustentável, com estabilidade de preços. Necessita-se de muito mais para motivar a retomada dos investimentos. Destacam-se, ente outras ações, as seguintes: melhora na educação, de forma a preparar adequadamente a mão de obra e a promover maior igualdade de oportunidades; tornar o sistema tributário mais simples, justo e indutor da eficiência alocativa; fortalecer os laços com nossos principais parceiros comerciais; desburocratizar, para valer, a relação entre o setor privado e o público; atacar, de forma efetiva, as deficiências crônicas da infraestrutura; avanços na abertura comercial e ações concretas para a preservação do meio ambiente, que serão cada vez mais cobradas pela União Europeia e, agora, pelos EUA.

Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro evidenciam que não é realista acreditar que reformas como as aqui mencionadas prosperem. Passemos, então, para algo mais pragmático. Refiro-me à suposta agenda liberal de Paulo Guedes. Aqui poderão ocorrer alguns avanços, embora pífios e de forma mais lenta do que muitos esperam.

Entre as medidas mais aguardadas, listadas na pauta prioritária do governo, destacam-se a PEC emergencial, a reforma administrativa e a reforma tributária.

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A versão mais recente da PEC emergencial é o substitutivo do senador Márcio Bittar (MDB-AC). Desidratada e confusa em vários pontos, ela é o que se dispõe para iniciar as negociações no Congresso. A tão decantada possibilidade de redução de jornada de trabalho, com correspondente corte de salários dos servidores públicos, que está fora do texto de Bittar, mesmo que seja reincluída, para ser implantada dependerá de ato regulamentar, que pode demorar meses, se é que é razoável esperar do presidente Bolsonaro ações que firam o interesse de corporações que o apoiam.

A reforma tributária, que poderia de fato concorrer para destravar a economia, está malparada. Há duas versões, uma do Senado, outra da Câmara, aparentemente de teor semelhante, mas que têm diferenças relevantes em detalhes – que é onde mora o diabo. Já Paulo Guedes insiste em criar um tributo péssimo (a CPMF, com outro nome) para reduzir um outro ruim, ou seja, a contribuição patronal sobre salários. Ademais, o ministro Guedes é contra a PEC 45/19, que substitui a complicada e ineficiente tributação sobre o consumo por um único tributo sobre o valor adicionado, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), uma das melhores propostas de reforma tributária de que se tem conhecimento, com enormes efeitos positivos sobre os investimentos e sobre a produtividade. No lugar disso, defende uma mudança pífia e com altos custos políticos, que é a criação da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).

Sim, a ampla, mas provavelmente instável, base de apoio que Bolsonaro montou no Congresso poderá ajudar na aprovação de algumas medidas. Talvez prosperem versões suavizadas da PEC emergencial e da reforma administrativa, no final deste semestre e ao longo do próximo, respectivamente, além de alguns projetos infraconstitucionais, como, por exemplo, a independência do Banco Central (BC), o depósito voluntário remunerado dos bancos no BC e a lei do gás, entre outros.

Haverá ondas de otimismo, porém passageiras, como chuvas de verão. *ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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