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Economista e diretor-presidente da MCM Consultores

Opinião|O perigoso otimismo dos mercados financeiros

Apesar das atenuantes aos riscos econômicos da guerra, o Brasil ainda é vulnerável aos choques externos negativos

Atualização:

E m artigo anterior, chamei a atenção para três fatores atenuantes dos efeitos da guerra da Ucrânia sobre a nossa economia: o saldo positivo na balança comercial de petróleo e derivados, a possível melhora dos termos de troca (relação entre os preços das exportações e das importações) e a migração de parte da demanda externa de papéis russos para brasileiros.

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Mas eu falava em atenuantes, não no otimismo que vem se observando no mercado financeiro. Poucos esperavam que em apenas duas semanas o real se valorizasse cerca de 7%, o índice Bovespa subisse 5% e os juros no mercado futuro caíssem tão expressivamente como caíram.

Os mercados financeiros internacionais também parecem indiferentes aos riscos econômicos da guerra, principalmente quando se leva em conta que o conflito tem sido muito violento e tende a durar mais do que se esperava.

Descontando o zigue-zague provocado pela pandemia, a economia brasileira saiu da recessão para a estagnação, a inflação e os juros ainda estão crescendo. Foto: Bryan R. Smith/AFP - 18/03/2020

Carmen Reinhart, economista-chefe do Banco Mundial e estudiosa de crises financeiras, alerta que “o contágio às vezes funciona de maneiras misteriosas”. Embora o sistema financeiro até agora tenha sofrido apenas pequenos abalos em vez do que ela chama de “contágio rápido e furioso”, Reinhart continua preocupada com os efeitos em cascata desse conflito.

Na medida em que Vladimir Putin radicaliza suas ações bélicas e o Ocidente aumenta as sanções, o risco de default da dívida externa soberana da Rússia cresce. Estima-se que a exposição total dos bancos estrangeiros a esses papéis chegue a cerca de US$ 120 bilhões. Não é o suficiente para desencadear uma crise financeira sistêmica, porém, está longe de ser desprezível.

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Mas os problemas econômicos dessa guerra parecem mais graves no lado real da economia do que no financeiro. Além dos óbvios impactos sobre o mercado de petróleo, é importante lembrar que, em números aproximados, Rússia e Ucrânia juntas respondem por 30% das exportações mundiais de trigo, 25% de paládio, metal importante para as indústrias eletromecânicas, químicas e farmacêuticas, e 20% de fertilizantes, além de serem importantes supridores mundiais de milho, níquel e platina.

Além disso, há que considerar que essa guerra ocorre quando o mundo ainda enfrenta problemas com as cadeias de produção, com inflação e juros crescentes e com a covid teimosamente em ação em vários países, principalmente na China.

Já o Brasil, apesar das atenuantes anteriormente destacadas, ainda é muito vulnerável a choques externos negativos. Descontando o zigue-zague provocado pela pandemia, a economia brasileira saiu da recessão para a estagnação, a inflação e os juros ainda estão crescendo, não foram feitas as necessárias reformas estruturais e as regras fiscais estão sendo seguidamente desrespeitadas para atender a interesses eleitoreiros. E a julgar pelas pesquisas, dificilmente haverá correção de rumo após as eleições.

*Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda.

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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