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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Outro cepo na Argentina

As novas vertigens no país vizinho atingem em cheio o Brasil

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Atualização:

As novas vertigens da economia da Argentina não são apenas “problema dela”. Atingem em cheio também o Brasil. Desta vez, a bandeira vermelha proveio do esgotamento das reservas cambiais, que devem estar perto dos US$ 42 bilhões.

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Desde o dia 16, está em vigor por lá um novo cepo, que é como se chamavam as restrições à compra de dólares no governo de Cristina Kirchner. A posse de moeda estrangeira é quase a única poupança do argentino. 

Lá, cada um pode comprar US$ 200 por mês ao câmbio oficial de 75 pesos por dólar, desde que pague taxa de 30%. O governo Fernández impôs outros 35%, embora descontáveis do Imposto de Renda, desde que o interessado não goze de subsídios do governo. Como a comprovação de inexistência de subsídio é processo complicado, os bancos já não conseguem vender. O “blue”, que, no jargão de lá, é a cor do dólar paralelo, avançou dos 130 para 145 pesos por dólar (veja o gráfico). Há dois anos, estava a 38, avanço de 282%.

As empresas endividadas em moeda estrangeira agora só podem obter no câmbio oficial 40% do necessário para saldar seu passivo. O governo está forçando as empresas a renegociar os outros 60% com seus credores, está privatizando o calote. Nessas condições, a renegociação forçada pode até acontecer, mas as portas ficam fechadas para novos créditos. As empresas argentinas já não podem tirar proveito dos juros quase negativos em vigor lá fora. Somente as grandes empresas argentinas endividadas em dólares empregam 60 mil trabalhadores. O aumento das demissões parece inevitável. O desemprego no país é de 13,1%.

Como dinheiro não entra em buraco de onde não pode sair livremente, segue-se que essas decisões afastaram ainda mais o capital estrangeiro. Os próprios mecanismos que impedem a fuga de capitais tendem a impedir a recomposição das reservas.

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Vertigens na economia da Argentina têm impacto sobre o Brasil Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Em princípio, as operações de comércio exterior continuam abertas. Mas, além de sujeitas à licença prévia, as importações tendem a se restringir, o que freará ainda mais a atividade econômica. (A queda do PIB é de 19,1% no período de 12 meses terminado no segundo trimestre.) 

As novas restrições cambiais tenderão a produzir novas distorções. Os exportadores, por exemplo, tenderão a subfaturar vendas ao exterior para receber uma parte dos seus dólares “por fora” e, assim, mantê-la depositada no exterior. E, a despeito dos controles, os importadores tenderão a superfaturar suas compras para trocar mais dólares por pesos no câmbio interno.

Há anos, os argentinos estocam reservas no exterior. O país que mais tira proveito dessas operações é o Uruguai, que aceita depósitos de estrangeiros em outras moedas. Muitos dos que passam para a margem esquerda do Prata nos fins de semana têm esse objetivo.

Os efeitos colaterais sobre o Brasil são enormes. A recessão já vinha reduzindo o comércio bilateral. Só neste ano (até agosto), as exportações brasileiras para lá caíram 25,4%. Como o PIB argentino tende agora a afundar, o impacto sobre essas trocas deverá ficar maior. Todo o intercâmbio entre o Mercosul também fica prejudicado.

CONFIRA

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» Tensão na alta de preços

A inflação mensal medida do dia 15 do mês ao dia 15 do mês seguinte (no caso, setembro) subiu mais do que o esperado: 0,45%. Mostrou repasse para o varejo da alta dos preços no atacado, especialmente dos alimentos e produtos de limpeza. O Banco Central continua afirmando que se trata de alta temporária, resultado do descolamento próprio da retomada da atividade econômica, numa situação de certo desarranjo dos estoques. Mas há uma tensão no mercado, à espera de novas informações.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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