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Paciência

É a 5,1 milhões de pessoas em busca de um emprego há mais de um ano que Paulo Guedes se dirige

Por Luís Eduardo Assis
Atualização:

Na empolgação que se seguiu à vitória de seu candidato, Paulo Guedes declarou no ano passado que a aprovação da reforma da Previdência e a formalização da independência do Banco Central (BC) poderiam gerar um crescimento de 3,5% em 2019. A independência do BC parou no acostamento, mas a reforma previdenciária está quase na caçapa. Ainda assim, o crescimento rasteja.

Um em cada quatrodesempregados procura trabalho há pelo menos dois anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Agora em agosto, mais sóbrio, o ministro Guedes pediu paciência e disse que as pessoas devem esperar um ano ou dois até que as coisas melhorem de vez. A comedida frugalidade do ministro veio no rastro da divulgação do índice de nível de atividade calculado pelo Banco Central.

O PIB, calculado pelo IBGE, é divulgado a cada três meses, enquanto a estimativa do BC chega antes porque é mensal. Há forte correlação entre os dois indicadores: 98,9%. O problema é que o número do BC para junho veio fraco, com queda de 1,75% em relação ao mesmo mês do ano passado. Um pequeno exercício econométrico sugere que, com 95% de probabilidade, o PIB deve fechar o primeiro semestre com uma variação anualizada entre -1,8% e -0,2%. A suposta precisão aqui é enganosa, mas o fato é que existe chance relevante de que estejamos entrando em nova fase recessiva.

A economista Diane Coyle, em livro recente (GDP: A Brief but Affectionate History), traça um interessante panorama sobre a mensuração do PIB. A medida mais ampla e comum do desempenho econômico começou a ser calculada de forma uniforme e padronizada apenas após a Conferência de Bretton Woods, em 1944 (o que significa que o PIB é mais jovem que Mick Jagger).

Trata-se de conceito puramente abstrato. Ao contrário, por exemplo, do desemprego ou da inflação, não existe um “PIB” no mundo real esperando os economistas para ser medido. Seja como for, a volta da recessão poderá fermentar uma sensação de descontentamento, para a qual o destampatório belicoso do presidente em nada pode contribuir.

O fato é que, se ninguém gastar mais, o PIB não cresce. O consumo das famílias depende, primordialmente, da massa de rendimentos habitualmente recebidos, que há três trimestres está estagnada em R$ 623 bilhões. Poderia ser impulsionado, também, pelo crédito, mas este também gira em torno do mesmo patamar. Gastos com investimentos cresceram ligeiramente no primeiro trimestre, mas ainda estão portentosos 28% abaixo do que foram no começo de 2014. Não se pode esperar recuperação consistente enquanto a capacidade ociosa continuar alta. Investimentos privados em infraestrutura serão complementares, por sua própria natureza.

Para piorar, ironicamente, o debate sobre a reforma tributária pode retardar investimentos, já que torna mais incerto o cálculo da rentabilidade esperada de novos empreendimentos. Gastos do governo, mercê do credo liberal do governo, não devem também puxar a economia. Por fim, as exportações líquidas também não têm como acelerar o crescimento, seja porque a economia brasileira é muito fechada, seja porque o PIB mundial está perdendo dinamismo.

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O governo poderia alocar recursos orçamentários para pelo menos retomar obras paralisadas (sugestão do economista da FGV Nelson Barbosa). Ou fazer uso da redução condicionada de depósitos compulsórios para estimular o crédito bancário. Mas ambas são medidas marcadamente pragmáticas, que contrariam as castiças convicções do ministro Guedes, mais afeito aos rigores de uma ortodoxia econômica que nenhum país pratica.

A aposta está feita. Há 5,1 milhões de pessoas em busca de um emprego há mais de um ano. É a elas que o ministro pede paciência. Resta lembrar Lenine, o compositor pernambucano: Será que é tempo que lhe falta pra perceber / será que temos esse tempo pra perder? *ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

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