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Pacote ainda não nos permite decolar

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Segundo as normas políticas normais, o acordo conseguido no Congresso esta semana para aprovação do pacote de estímulo econômico foi uma grande vitória do presidente Barack Obama. Ele obteve mais ou menos o que havia pedido: cerca de US$ 800 bilhões para salvar a economia, e a maior parte dos recursos se destinará mais a gastos do que a compensar os cortes de impostos. Uma vitória que merece um brinde! Ou, talvez, não. Não vivemos em tempos normais, portanto as normas políticas normais não se aplicam: a vitória de Obama soa um pouco como derrota. O plano de estímulo parece útil, porém inadequado, principalmente quando combinado com outro plano decepcionante para salvar os bancos. E a política exibida na batalha para obter este estímulo tornou os sonhos pós-partidários de Obama um contrassenso. Comecemos pela política. Esperávamos talvez que os republicanos se mostrassem pelo menos ligeiramente mortificados nos primeiros dias do governo Obama, considerando sua derrota nas duas últimas eleições e o colapso econômico dos últimos oito anos. No entanto, agora está claro que o compromisso do partido com o ?vodu profundo? - defendido, em parte, por grupos de pressão que estão dispostos a ser os primeiros a contestar os hereges - é tão forte quanto antes. Tanto na Câmara quanto no Senado, a ampla maioria dos republicanos defende a ideia de que a resposta adequada ao fracasso abjeto dos cortes dos impostos do governo Bush continua, sem tirar nem pôr, mais no estilo dos cortes dos impostos de Bush. E a resposta retórica dos conservadores ao plano de estímulo - que, vale a pena lembrar, custará substancialmente menos que os US$ 2 trilhões do governo Bush em cortes de impostos ou do que o US$ 1 trilhão gasto no Iraque - beira o desatino. É o "roubo de uma geração", disse o senador John McCain, republicano de Arizona, poucos dias depois de votar a favor dos cortes de impostos que, na próxima década, custariam cerca de quatro vezes mais. "Está destruindo o futuro da minha filha. É como ficar sentado vendo minha casa sendo saqueada por uma gangue de delinquentes", afirmou Arnold Kling, do Cato Institute. O feio debate político deve ser levado em consideração porque suscita dúvidas sobre a capacidade do governo Obama de voltar à carga se, como parece provável, o plano se revelar inadequado. Pois, embora Obama tenha conseguido mais ou menos o que pediu, quase certamente não pediu o suficiente. Provavelmente, estamos diante da pior crise desde a Grande Depressão. O Departamento do Orçamento do Congresso, que não é dado a exageros, prevê que, nos próximos três anos, haverá um déficit de US$ 2,9 trilhões entre o que a economia poderá produzir e o que na realidade produz. E , embora US$ 800 bilhões pareçam muito dinheiro, não bastarão para cobrir este déficit. Oficialmente, o governo insiste que o plano é adequado para as necessidades da economia. Mas são poucos os economistas que concordam com ele. Em geral, acredita-se que as considerações políticas produziram um plano mais fraco, que contém mais cortes de impostos do que deveria - porque Obama se comprometeu antes, na esperança de ganhar amplo apoio dos dois partidos. Acabamos de ver quão bem isso funcionou. Ora, as chances de o estímulo fiscal ser adequado seriam maiores se fossem acompanhadas por uma efetiva ajuda financeira, que permitisse descongelar os mercados de crédito e fazer com que o dinheiro voltasse a circular. Mas o tão esperado anúncio dos planos do governo Obama nesta frente, que também saiu esta semana, caiu com um baque surdo. O plano esboçado por Tim Geithner, o secretário do Tesouro, não era exatamente ruim. Na realidade, era um tanto vago. Deixou todo mundo tentando imaginar aonde o governo deseja chegar. Será que essas parcerias público-privadas acabarão se tornando uma forma disfarçada de salvar banqueiros à custa dos contribuintes? Ou o "teste de stress" que está sendo exigido funcionará como uma saída pela porta da cozinha para a estatização temporária dos bancos (a solução privilegiada por um número crescente de economistas, no qual eu me incluo)? Ninguém sabe. O efeito tão esperado não foi suficiente. Até o momento, a resposta do governo Obama à crise econômica nos faz lembrar o Japão na década de 90: uma expansão fiscal bastante ampla para evitar o pior, mas não o bastante para o início rápido da recuperação; uma ajuda ao sistema bancário, porém relutando a obrigar os bancos a arcar com seus prejuízos. Ainda é cedo, mas estamos perdendo tempo. Para falar a verdade, começo a sentir uma sensação ruim na boca do estômago - uma sensação de que os Estados Unidos não conseguirão fazer frente ao maior desafio econômico dos últimos 70 anos. Os melhores talvez não careçam de convicção, embora pareçam dispostos, de modo alarmante, a aceitar meias medidas. Os piores, apesar de sua apaixonada intensidade, esquecem do fracasso grotesco de sua doutrina na prática. Ainda há tempo de reverter essa situação. Mas Obama precisa mostrar-se mais forte ao olhar para frente. Do contrário, o veredicto sobre esta crise poderá ser: Não, não podemos. *Paul Krugman é articulista

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