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Pacote para turbinar benefícios sociais pode esbarrar em restrições eleitoral e fiscal

A 100 dias das eleições, criação de uma bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil tem como entrave a legislação eleitoral

Foto do author André Borges
Foto do author Anna Carolina Papp
Por André Borges e Anna Carolina Papp
Atualização:

BRASÍLIA - Em busca de amenizar o custo político da disparada dos combustíveis, a proposta do governo de turbinar benefícios sociais, incluindo a criação de uma bolsa-caminhoneiro de até R$ 1 mil por mês, a 100 dias das eleições, esbarra em restrições jurídicas e fiscais, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.

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A reportagem apurou que as movimentações têm sido acompanhadas com lupa por membros do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que fiscaliza o uso do dinheiro público.

A legislação eleitoral determina que, no ano em que se realizam as eleições, fica proibida a distribuição gratuita de bens ou benefícios pela administração pública. As únicas exceções são programas sociais que já estejam em curso. Fora isso, é preciso que o governo publique um decreto de “estado de calamidade pública” ou de “situação de emergência”.

Na avaliação do líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), a criação do benefício não exigiria nenhum tipo de decreto pelo governo federal, porque se trata de uma situação emergencial internacional – a guerra entre a Rússia e Ucrânia, cujo conflito se iniciou há quatro meses – já instaurada e que tem exigido movimentos de todos os países em programas sociais e de compensação devido à alta dos combustíveis.

“O decreto de calamidade da pandemia, que envolvia vários segmentos da sociedade, era recomendado. Mas não podemos abrir a porteira agora por causa de um problema específico, que é do segmento de combustível, para isso não virar uma festa nos municípios”, disse Portinho à reportagem. “Eu entendo que a questão é emergencial e internacional. Não dá para esperar as eleições. Não há necessidade de decreto.”

O plano em análise neste momento é usar os R$ 29,6 bilhões previstos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos combustíveis e que seriam destinados à compensação de Estados que zerassem o ICMS sobre diesel e gás até dezembro deste ano. A preocupação do governo é de que o dinheiro chegue à mão da população, em vez de ser repassado aos governos estaduais e, assim, não surtir o efeito esperado nas urnas.

Além da bolsa-caminhoneiro de até R$ 1 mil, que seria dada mensalmente até dezembro, o governo quer usar esses recursos para ampliar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e, ainda, dobrar o valor do vale-gás (hoje, de R$ 53 a cada dois meses).

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“É um conjunto de iniciativas, entre todas que estão sendo debatidas, para que caiba dentro dos R$ 30 bilhões da PEC do Ministério da Economia”, afirmou o senador. “Temos o receio de que os Estados estejam insensíveis com a população. Não adianta isso não chegar na ponta da sociedade. É preciso que o benefício chegue a quem precisa.”

Pooposta do governo visa ampliar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Gasto transitório ou permanente?

Na avaliação do diretor da Instituição Fiscal Independente, Daniel Couri, ainda que a criação da bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil possa ser questionada pela proximidade da eleição, do ponto de vista fiscal, ela seria permitida desde que o benefício seja criado por uma PEC, que é a intenção do governo.

"Pode-se argumentar que esse novo auxílio aos caminhoneiros fere a legislação eleitoral, mas isso pode ser resolvido via PEC", diz. "Agora, continua sendo um gasto fora do teto de gastos – isso porque já era extra-teto se esse valor fosse usado para compensar os Estados, só muda o destino do dinheiro. O governo não tem espaço fiscal para gastar R$ 30 bilhões."

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A grande preocupação, avalia Couri, é que ainda que as propostas na mesa tenham data de validade – até o fim do ano –, há grandes chances de se tornarem gastos permanentes. Um exemplo é o próprio Auxílio Brasil, que inicialmente teria o valor de R$ 400 apenas em 2022; mas, em abril, uma medida provisória tornou esse piso permanente.

"Essas medidas têm um custo fiscal relevante e a gente já teve prova de que reduzir gastos sociais é difícil. Ainda que seja temporário, cria-se um risco de que esse gasto permaneça em 2023, na próxima gestão, como se você estivesse aumentando o sarrafo”, diz Couri.