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País está atrasado na discussão sobre o impacto da economia na biodiversidade, diz especialista

Luciane Moessa foi a única latino-americana a participar da redação do escopo técnico da força-tarefa TNFD, que discute o impacto da atividade econômica na natureza e tem o apoio de gigantes do setor financeiro

Por Karla Spotorno (Broadcast)
Atualização:

A brasileira Luciane Moessa, consultora e sócia da Soluções Inclusivas Sustentáveis, foi a única latino-americana a participar com representantes da ONU, governos, empresas privadas, terceiro setor, instituições financeiras globais da redação do escopo técnico que trata do impacto das atividades econômicas à biodiversidade.

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A iniciativa é uma força-tarefa chamada TNFD (ou Taskforce on Nature-Related Financial Disclosures), que busca dar transparência aos riscos produzidos pelas atividades de empresas e instituições financeiras ao capital natural. Em outras palavras, a sigla discute o impacto da atividade econômica na biodiversidade e como reverter as perdas causadas à natureza, que afetarão a vida e a atividades humanas. 

Lançado há poucos meses, o documento conversa com a agenda ainda mais ampla da COP 15 da Biodiversidade, que vai começar na China em poucas semanas.

A TNFD é ainda pouco conhecida no Brasil e tem, globalmente, apoio direto de gigantes do setor financeiro. Entre eles, Citibank, Credit Suisse, BNP Paribas, Rabobank e Axa, a maior seguradora da Europa.

Brasil está atrasado em comparação a seus pares na discussão sobre meio ambiente, diz Luciane Moessa. Foto: Arquivo Pessoal

Nesta entrevista, Luciane Moessa, que fez pós-doutorado na USP sobre Sistema Financeiro e Desenvolvimento Sustentável, diz que o Brasil está atrasado em comparação a seus pares na força-tarefa. Com isso, poderá perder espaço no comércio exterior, assim como já afastou o dinheiro de investidores estrangeiros.

Ela participa nesta quarta-feira, dia 25, da Conferência Brasil Verde que o Estadão realiza até sexta-feira. Para conhecer a programação, clique aqui. Abaixo, trechos da entrevista.

O que é a TNFD?

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A TNFD é uma iniciativa catalisada por dois programas do sistema ONU (PNUD e UNEP-FI) e duas organizações do terceiro setor (Global Canopy e WWF), a partir do apoio de atores-chave do sistema financeiro, de alguns governos, sobretudo europeus, e grandes corporações. Em síntese, busca desenvolver recomendações para o mercado financeiro e o mundo corporativo identificarem e gerenciarem riscos, dependências, impactos positivos e negativos e oportunidades relacionados à biodiversidade ou capital natural em razão de suas atividades, especialmente de seus portfólios, no caso do setor financeiro.

Qual o maior desafio quanto à transparência de questões envolvendo a biodiversidade e os negócios?

O principal é a ausência de métricas universalmente pactuadas para medir o estágio de degradação dos ecossistemas. Essas métricas são necessárias para definir metas em relação a como devemos atuar para restaurar e conservar esses ecossistemas, de forma que a vida humana continue sendo viável em nosso planeta. O segundo maior desafio é não haver bases de dados completas para estabelecermos uma referência e aí serem definidas essas metas. A falta de padronização e a existência de lacunas podem ser preenchidas, desde que exista um esforço conjunto de governos, instituições científicas, organizações internacionais, terceiro setor e setor privado. O terceiro desafio é que, mesmo com as limitações das bases de dados existentes, pouquíssimas organizações divulgam quaisquer informações - e, quando o fazem, não é de forma padronizada.

Qual a diferença entre TCFD e TNFD? Há sinergias entre as duas forças-tarefa?

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A TCFD tratou de riscos e oportunidades relativos à agenda climática, ao passo que a TNFD trata de biodiversidade, água doce, solo, oceanos e atmosfera. Existem muitas conexões entre as duas agendas, sendo o Brasil um exemplo clássico disso, pois a principal causa de emissão de gases com efeito estufa no País é o desmatamento. As mudanças climáticas, sejam as crônicas, ou os desastres em si, são uma das principais causas de perda da biodiversidade e o desmatamento é apenas um exemplo de como a degradação de ecossistemas as acentua. O desmatamento não só libera carbono do solo, como altera o regime de chuvas, como está sendo claramente sentido no Sul e no Sudeste brasileiros, em razão da alta no desmatamento da Amazônia desde 2019.

Em quais países, a TNFD já está implantada ou mais debatida? Quais empresas e instituições financeiras estão envolvidos nessa discussão?

A TNFD é uma iniciativa global, mas existe maior adesão a essa agenda no Reino Unido e na União Europeia, com destaque para França, Holanda e Suíça. O World Business Council for Sustainable Development, que é uma iniciativa empresarial, está envolvido desde o início. O PRI (Principles for Responsible Investment), associação que reúne instituições financeiras como fundos de pensão, gestoras de investimentos, e a UNEP-FI, que reúne bancos e seguradoras de todo o mundo, fazem parte do comitê estratégico. Grandes bancos e seguradoras da Europa, dos EUA, alguns da América Latina, da Ásia e África também vêm participando. O diálogo com reguladores financeiros e governos também existe. Destaco ainda a participação da OCDE e do World Economic Forum. Mas, na fase que se inicia em setembro, o protagonismo é do setor privado, em parâmetros a serem estabelecidos pela comunidade científica. Na primeira etapa, encerrada em junho, destaco como participantes brasileiros o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e o BNDES. Aqui na Europa, dentre muitos outros exemplos, destaco Axa, Rabobank, Credit Suisse, Citibank e BNP Paribas.

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O Acordo de Paris foi um marco na questão do clima. Há algum outro sendo desenhado para a questão da biodiversidade?

Espera-se que a COP 15 da Biodiversidade, que vai ocorrer na China alcance dois objetivos complementares. Um é a definição de métricas para apurar perda, recuperação da biodiversidade e dos habitats em que as espécies vivem. O outro é a definição de metas para restauração/conservação - que devem ser, então, levadas em conta por governos, empresas e instituições financeiras, para que cada uma faça sua parte, dentro do que está ao seu alcance, seja geográfico ou financeiro.

Quão inserido nesta discussão está o Brasil?

As instituições brasileiras - sobretudo as financeiras - estão tão envolvidas quanto quiseram estar até agora. Ao desenvolver um trabalho de engajamento com o setor em 2020, estive dialogando e apresentando a iniciativa a todas as maiores associações do mercado financeiro (abrangendo bancos, seguros, fundos de pensão e gestoras de investimentos), e conversando diretamente com algumas delas, seja por terem participação grande no mercado, seja por serem líderes na agenda ESG. Algumas pioneiras aproveitaram a oportunidade de ter essa participação mais direta - e a Febraban participou como observadora, além de ter intermediado nosso contato com o CEBDS.

A TCFD é discutida por poucos agentes econômicos no País, ainda que já esteja na agenda de reguladores brasileiros. Há expectativa de as duas forças-tarefas serem debatidas e implantadas conjuntamente?

Quanto ao compasso brasileiro, de fato, estamos atrasados nas duas agendas. Gostaria muito de ver isso se acelerando, seja por razões ambientais, seja por razões socioeconômicas. Quanto mais a gente deixa de acompanhar as tendências globais, mais se aprofunda no isolamento - tendência que já está clara em termos de mercado financeiro, com a fuga de investimentos, e pode vir a afetar o comércio exterior num futuro muito breve, se o Brasil não mudar de rumos na agenda ambiental.