
24 de julho de 2020 | 16h11
RIO - A venda de metade do parque de refino da Petrobrás pode provocar "apagões" temporários de combustíveis líquidos, como gasolina e óleo diesel, em algumas regiões do País, segundo especialistas que acompanham as mudanças no setor.
Com as privatizações, a estatal passa a ser apenas mais um agente do mercado e deixa de responder pela coordenação do abastecimento. A responsabilidade passa a ser, então, da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Mas o órgão regulador ainda estuda os instrumentos que poderá usar para substituir a empresa e admite preocupação.
"Todo arcabouço regulatório foi construído numa estrutura em que a Petrobrás tinha um papel predominante. Agora o que se tem é um desafio de um novo cenário que rompe essa estrutura", afirmou a superintendente adjunta de Fiscalização do Abastecimento da ANP, Patrícia Huguenin Baran, em evento virtual promovido pela FGV Energia. "Então, a estrutura está dada, mas o contexto é diferente. Fica realmente meio engessado. Você quer chegar num ponto, mas não tem ainda o caminho feito."
Os cenários mais críticos são os da Bahia e do Rio Grande do Sul, por causa da carência de infraestrutura logística, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
Na Bahia funciona a primeira refinaria a ser privatizada, a Rlam. A Petrobrás está em fase final de negociação do ativo com o fundo soberano dos Emirados Árabes, o Mubadala, e espera concluir a venda até dezembro.
A importação é a solução imediata de abastecimento em situações em que a produção não é suficiente para atender a demanda interna. Deve ser também a primeira alternativa quando os novos donos das refinarias optarem por mandar combustível para outros países. Mas isso só vai ser possível se houver terminais portuários e dutos disponíveis. Na Bahia, segundo a Abicom, existem dois terminais - um da Rlam, que vai ficar com quem comprar a refinaria, e outro de Urutu, de capacidade limitada.
As empresas associadas à entidade hoje complementam as lacunas deixadas pela estatal no abastecimento das principais regiões de consumo. Mas o Estado nordestino não segue essa regra, justamente pela ausência de infraestrutura.
Por lei, a responsabilidade pelo abastecimento de derivados de petróleo e gás é da ANP. Mas, na prática, a Petrobrás sempre assumiu o papel e, a qualquer sinalização de problema, o órgão regulador recorria à empresa em busca de uma solução.
Agora, com a alienação de oito das 13 refinarias estatais - Refap (RS), Repar (PR), Rlam (BA), Rnest (PE), Reman (MA), Regap (MG), Six (PR) e Lubnor (CE) - a companhia petrolífera passa a ser apenas mais um agente do setor e deixa de responder pela coordenação do mercado.
Hoje, faz parte da rotina da Petrobrás avaliar o consumo de derivados de petróleo nas áreas de abrangência das suas refinarias, alinhar com o perfil de produção de cada uma delas, que são complementares, definir o tipo de petróleo compatível com a engenharia das 13 unidades e a logística de transporte dos produtos e, assim, abastecer todo País. Com as privatizações, porém, a preocupação da estatal passa a ser exclusivamente o seu mercado de interesse, a região Sudeste.
"A Petrobrás faz a otimização das refinarias, oleodutos e terminais. Quem comprar essas estruturas não necessariamente terá a mesma lógica de abastecimento. É preciso ter novos mecanismos", avalia o ex-diretor da ANP e professor do Grupo de Economia da Energia (GEE), da Faculdade de Economia da UFRJ, Helder Queiroz. Em sua opinião, a nova estrutura de coordenação do abastecimento deve considerar "as condições econômicas e operacionais que vão permitir o compartilhamento logístico e a segurança do abastecimento".
Um grupo de trabalho da ANP ainda avalia as consequências da abertura do segmento de refino e possíveis soluções, que ainda devem passar pelo crivo do colegiado de diretores para, em seguida, serem encaminhadas ao Ministério de Minas e Energia. Antecipadamente, a agência admite o golpe e diz que será um desafio para o qual ainda não possui instrumentos.
A avaliação de Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), é que, num primeiro momento, podem acontecer desabastecimentos regionais por períodos mais longos. "Mas, com o tempo, empresas importadoras devem ocupar esses espaços. Já os 'apagões' pontuais tendem a ser mais frequentes", diz.
A Petrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que acompanha e participa dos fóruns que discutem a agenda regulatória na ANP e também do Abastece Brasil, do Ministério de Minas e Energia, que tem como um dos temas prioritários o novo cenário com a venda das refinarias. "Entre os assuntos em análise, está a garantia de liberdade de preços, a não intervenção em contratos e a manutenção da preferência do carregador proprietário, de modo a garantir condições adequadas em todo o território nacional" destacou.
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24 de julho de 2020 | 16h12
RIO - O governo corre contra o tempo para construir ferramentas que assegurem o abastecimento de combustíveis ao País após a privatização de metade da capacidade de refino da Petrobrás. Hoje, o fornecimento é garantido pela estatal, mas deve deixar de ser no fim deste ano, com a primeira venda de refinaria, a Rlam, na Bahia.
A partir daí, a responsabilidade recai sobre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que já avalia riscos na oferta do gás liquefeito de petróleo (GLP), popularmente conhecido como gás de cozinha.
"O GLP é uma questão e tem um papel fundamental para a maior parte das famílias no País. É um produto que a gente sabe que vai ter que olhar com muito mais cautela", disse a superintendente adjunta de Fiscalização do Abastecimento da ANP, Patrícia Huguenin, em evento virtual promovido pela FGV Energia.
"O que a gente tem hoje é a coordenação pela Petrobrás e a agência não vai fazer coordenação. A ANP não tem instrumento para fazer coordenação operacional, para mandar um agente importar ou outro produzir", acrescentou ela, referindo-se ao cenário de todo mercado combustíveis após as privatizações.
Segundo especialistas, a principal preocupação é exatamente quanto à ausência de um coordenador, o que poderia causar um vácuo no abastecimento. Em alguns locais, haverá uma estrutura nova com importadores, refinadores e distribuidores privados.
Não há, atualmente, um ente para avaliar uma possível escassez de um produto e um planejador dos investimentos necessários no médio prazo, o que pode resultar em gargalos. A superintendente da ANP diz que os instrumentos do órgão regulador são as informações que recebe do agente e que é possível acelerar o fluxo desses dados.
No caso do GLP, existem questionamentos, por exemplo, quanto ao acesso à infraestrutura logística, que está nas mãos da Petrobrás e, no futuro, deve ser repassada em grande parte a terceiros, sobretudo a quem comprar a Rnest, em Pernambuco, dona do terminal de Suape, por onde entra a maioria do gás importado pela estatal.
Além disso, não é possível antecipar se os futuros proprietários das refinarias vão querer produzir todo volume de GLP consumido no País. Se não, vai ser preciso aumentar a importação.
Mas, como a infraestrutura atual é limitada, isso só vai acontecer se alguém colocar dinheiro na construção de novos terminais portuários, mais caros do que os usados para armazenar combustíveis líquidos, como óleo diesel e gasolina.
Esse seria um negócio especialmente interessante para as distribuidoras de GLP, que fazem a ponte entre produtores e varejo. No entanto, a visão de Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, representante desse grupo de empresas, é que o investimento é alto, especialmente no atual período de crise. Ele diz também que o governo segue limitando usos do GLP, como em saunas, piscinas e motores a combustão, o que "acaba desanimando potenciais importadores de grandes cargas".
Hoje, apenas as distribuidoras Copagaz, Ultragaz e Supergasbras importam pequenos volumes de GLP da Bolívia e Argentina, e segundo Bandeira de Mello, "ninguém, no meio das distribuidoras, está pensando em investir no curto prazo".
A Petrobrás responde por praticamente a totalidade da importação e produz 70% do consumo interno. Mas essa proporção deve mudar se a empresa concluir a venda de oito refinarias - Refap (RS), Repar (PR), Rlam (BA), Rnest (PE), Reman (MA), Six (PR) e Lubnor (CE). Juntas, elas fabricam 39% do GLP nacional, segundo cálculo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Por meio de sua assessoria de imprensa, a estatal afirma que a venda de suas refinarias atende acordo firmado com o Cade para estimular a concorrência no mercado de derivados de petróleo e que, com a entrada de novos atores, "a ANP deverá contar com recursos humanos e materiais suficientes para cumprir com essa importante função (de garantir o abastecimento de derivados de petróleo)". Diz também que participa de fóruns de discussão do governo sobre as consequências da abertura do mercado de combustíveis.
A ANP formou um grupo de trabalho para analisar o que vai acontecer após a privatização das refinarias e da infraestrutura associada e, nas próximas semanas, deve tomar as primeiras decisões a partir do resultado das análises. Em seguida, possíveis propostas regulatórias e de adaptações na atuação da agência e de outros agentes devem ser encaminhadas ao MME.
Para Marcelo Gauto, consultor em Petróleo e Gás, o ideal é que as mudanças sejam definidas antes da venda das refinarias. "A regulação precisa definir de forma clara como serão as regras do jogo neste novo mercado para que os players e a própria Petrobrás se preparem antecipadamente", avalia.
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