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''País se recupera e vai crescer em 2010''

Economista vê sinais de melhora da atividade e diz que no fim do ano o ritmo de crescimento [br]pode ser de 3,5% a 4,5%

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Por Fernando Dantas
Atualização:

Em 2010, o Brasil já terá saído da recessão e, no fim de 2009, pode apresentar um ritmo de crescimento entre 3,5% e 4,5%. A avaliação é do economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC). No momento, porém, o País já está em recessão técnica, definida como a queda por dois trimestres consecutivos do PIB - o último de 2008 e o primeiro deste ano, que ainda não foi divulgado, mas para o qual se espera desempenho negativo, em razão dos resultados já conhecidos, como a produção industrial. Pastore admite que não consegue explicar a alta atual das bolsas mundiais, em um momento no qual a produção industrial da Europa e do Japão recuou para níveis do fim da década de 90. Mas ele indica alguns fatos que podem causar, apenas parcialmente, o otimismo: o alívio em relação a países do Leste Europeu, o pacote de saneamento dos bancos americanos e o desempenho da China. Sua esposa, a economista Maria Cristina Pinotti, aventa outra possibilidade: a de que a super-injeção de liquidez dos bancos centrais dos países ricos, especialmente dos Estados Unidos, possa estar inflando o preço dos ativos. Mas Pastore frisa que são apenas hipóteses. Classificando os tempos de "estranhos", ele diz, referindo-se à alta recente dos mercados: "Pode publicar aí que eu não sei explicar." Como o sr. vê a atual maré de otimismo? Depende do que você está usando para medir o otimismo. Se forem as bolsas de valores, que estão num rali (movimento de alta), eu pediria para você olhar a produção industrial da zona do euro, que está hoje abaixo do nível que estava em 1998. A mesma coisa ocorre com Japão e Reino Unido. A dos Estados Unidos caiu menos. Um artigo em progresso, do Barry Eichengreen (economista americano), calcula que a queda da produção industrial mundial em 1929 e a queda agora, nos nove primeiros meses da crise, é a mesma. Não vai ser uma crise igual à que começou em 1929, porque os governos estão tomando ações. Dei o dado para mostrar que, do lado real, as economias estão muito mal. Então por que as bolsas sobem? Sabemos que o preço das ações têm duas componentes, a do valor fundamental e a da bolha. O valor fundamental depende da expectativa de lucro, e o resto é bolha. Com essa desaceleração na economia, a expectativa de lucro tem de ser muito baixa, e eu não tenho explicação racional para esse rally. Acho que nenhum economista de vertente neoclássica terá. Agora, tentando elaborar um pouco mais, podemos pensar na probabilidade dos chamados eventos de catástrofe. O mercado olha uma probabilidade razoavelmente alta desses eventos e reduz o preço dos ativos. Se há uma correção, se é eliminada ou reduzida a probabilidade daqueles eventos, os preços podem subir. Isso aconteceu? Houve algumas correções desse tipo nos últimos tempos. Na última reunião do G-20, foi tomada a decisão de colocar US$ 750 bilhões no Fundo Monetário Internacional (FMI), com o intuito precípuo de fazer políticas de ajuste econômico no Leste Europeu, o que reduziu muito a probabilidade de uma catástrofe derivada de um default (não pagamento) de algum ou alguns daqueles países. Nos Estados Unidos, antes do plano Geithner (do secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner), havia uma indefinição completa sobre como ia se resolver o problema da crise bancária. Veio o plano Geithner, que sofreu muitas críticas, respeitáveis, mas não se pode negar que o plano encaminha uma solução para o problema do sistema bancário. E há também a preocupação com a desaceleração da China, que derruba o preço das commodities. Mas, com uma série de decisões tomadas pelo governo chinês, agora se acha que dá para crescer 7%, 7,5%, mais do que os 6% que se previa antes. Ainda assim, o sr. diz não ter explicação racional para a alta das bolsas? Exato, tudo aquilo eu consigo entender. O que não consigo entender é quando o teste de estresse (aplicado pelo governo americano aos bancos) aponta que o Bank of America precisa de US$ 35 bilhões de capital, e na hora que isso é anunciado, o preço da ação do banco sobe 17,5%. Por que o mercado aplaude e gosta? A minha esposa Maria Cristina (Pinotti, economista e sócia de Pastore) fez uma hipótese sobre a alta do mercado que considero respeitável. Quando esta crise começou, havia o risco de ser como a de 1929, se não fosse pela reação muito forte de expansão fiscal e do Federal Reserve (Fed, banco central americano), cujo balanço triplicou de US$ 800 bilhões para US$ 2,4 trilhões, praticamente multiplicou por três. Qual o e efeito disso? Injetou-se liquidez dentro dos Estados Unidos, no sistema bancário, nas mãos dos fundos, de todo mundo, para empurrar a economia para cima. Ao injetar essa liquidez toda, deve se ter criado demanda por ativos. É como se, para tratar um dependente de drogas com síndrome de abstinência, se desse mais drogas. Mas não posso afirmar que seja isso que está levantando o mercado acionário. Não há provas empíricas. Como o sr. vê a situação atual do Brasil? O Brasil tecnicamente entrou em recessão, já que alguém inventou que tecnicamente dois trimestres consecutivos de queda do PIB caracterizam tecnicamente uma recessão. Se é isso, temos dois, o último do ano passado e o primeiro deste ano. Esse último dado ainda não foi oficialmente divulgado, mas, com a produção industrial, já se pode fazer uma estimativa preliminar, e sabe-se que o PIB teve uma contração. Mas a economia parece já estar se recuperando. Sim, no segundo trimestre, já começou uma lenta recuperação, e deve continuar no terceiro e no quarto trimestres do ano. Projetamos queda de 1% do PIB este ano, mas, no fim de 2009, o Brasil vai estar crescendo. Vai apontar para uma taxa positiva, mais alta, significativa, eu não sei exatamente que taxa vai ser essa, ninguém sabe, pode ser algo entre 3,5% e 4,5%. No ano que vem, acho que já estaremos fora da recessão. Vamos crescer de novo, bem menos do que antes da crise, porque o mundo será hostil, ainda vai estar em recessão, com preços de commodity baixos e fluxos de capital ruins. Como o sr. avalia a forma com o Brasil reagiu a crise? O Brasil adquiriu a possibilidade de fazer políticas macroeconômicas contracíclicas, o que nunca tivemos. Nós desdolarizamos a dívida pública, baixamos a dívida externa, aumentamos as reservas, e hoje, quando tem crise mundial, podemos baixar a taxa de juros - no passado, tínhamos de subir, lá no passado tinha de subir taxa de juros. Hoje podemos aumentar gasto público e baixar receita, quando lá atrás tínhamos de fazer o contrário. O Brasil e outros grandes emergentes, como a China e a Índia, tem sistemas financeiros que não foram contaminados pela crise bancária porque não estavam em ativos de bolha nem ativos tóxicos. É óbvio que vamos crescer mais que o mundo rico, mas o que não é óbvio é que o rabo balance o cachorro. Não é óbvio que o desempenho de Brasil, China e Índia faça o mundo sair da crise antes. E a trajetóriados juros no Brasil, qual deve ser? Na ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), a advertência do Banco Central é de que o mercado está pessimista quanto à inflação lá do ano que vem. Na verdade, se a atividade econômica recuperar muito rapidamente, o mercado estará certo, se a atividade econômica não recuperar, estará errado. Eu não sei em que velocidade vai se recuperar, me eximo de dar um palpite sobre isso. Acho simplesmente que, com hiato de produto (diferença entre o que pode se produzir com a atual capacidade e o que se está produzindo efetivamente) atual do Brasil, a direção da taxa de juros é para baixo. A recente valorização do real o surpreendeu? Há três semanas, enviamos um relatório especial da consultoria alertando que o real poderia se valorizar, que estava se apreciando. O fluxo de capitais está voltando. Os bônus da Odebrecht, da Telemar, do Friboi, a entrada de recursos na bolsa, tudo isso são fluxos de capital que entraram no Brasil porque o Brasil está melhor em termos de fundamentos macroeconômicos. O sr. concorda com a política fiscal que foi seguida em razão da crise, com desoneração tributária, redução de superávit primário, aumento dos gastos correntes? Uma recessão, quando se pode seguir política fiscal contracíclica, requer que ela seja feita na dimensão daquilo que é possível. É natural, portanto, que o Brasil dê isenção de impostos, aumente um pouco o gasto, reduza a meta de superávit primário. Acho que a componente contracíclica foram duas: a queda automática de receita que sempre acontece numa recessão, que foi grande, e as isenções tributárias que o governo fez, para automóveis, para geladeiras, para material de construção, para evitar crescimento de desemprego, para evitar no fundo que se instalasse uma recessão maior. Isto é contracíclico. O aumento de gastos que o governo fez com essa política não é contracíclico coisa nenhuma. Como assim? Porque esse aumento foi decidido muito antes de começar essa recessão. Isso não é política contracíclica, isso é política de aumento de gasto de custeio (despesa de pessoal está incluída nesse conceito de custeio), que acabou gerando efeitos contracíclicos. O mundo de vez em quando dá voltas estranhas, você atira que não vê e mata o que não vê. Tem gente que tem sorte. Eu acho que o Lula teve essa sorte. A sorte foi que, no frigir dos ovos, aquela decisão errada lá atrás, de aumentar o gasto de custeio, acabou provocando um aumento de transferência para funcionários públicos que de uma forma ou de outra gera um aumento de consumo que ajuda a tirar o Brasil mais rapidamente da recessão. Quem é:Affonso Celso Pastore Doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) Ocupou o cargo de secretário da Fazenda do Estado de São Paulo Esteve à frente do Banco Central do Brasil de 1983 a 1985 É sócio-fundador e consultor da A. C. Pastore e Associados É professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas

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