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País tem de pagar R$ 1 bilhão a organismos multilaterais, como a ONU

'Há risco considerável de que o Brasil, pela primeira vez na história, perca o direito a voto na ONU a partir de janeiro de 2020', alerta nota técnica assinada pelo secretário de Assuntos Econômicos Internacionais

Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - A equipe econômica discute a liberação de R$ 1 bilhão ainda em 2019 para quitar dívidas com entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). A medida é tratada como urgente dentro do governo para evitar o desgaste de perder o voto em discussões destas organizações ou até rebaixar a nota de bancos internacionais que têm o Brasil como importante acionista.

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Segundo nota técnica do Ministério da Economia assinada na última sexta-feira, 29, o governo pretende pagar débitos de 2019 com a ONU, de US$ 126,6 milhões; Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), de US$ 45 milhões; Corporação Interamericana de Investimentos (BID Invest), de US$ 27,6 milhões; Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), de US$ 27,6 milhões e a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), de R$ 43,2 milhões.

A movimentação do governo ocorre dias após a ONU cobrar uma dívida de US$ 415,9 milhões, que coloca o Brasil no posto de segundo maior devedor à entidade. 

“Há risco considerável de que o Brasil, pela primeira vez na história, perca o direito a voto na ONU a partir de 1º de janeiro de 2020”, alerta nota técnica assinada pelo secretário de Assuntos Econômicos Internacionais, Erivaldo Alfredo Gomes.

Ao pedir recursos ao Ministério da Economia, o secretário-geral das Relações Exteriores, diz Otávio Brandelli, afirma que Jair Bolsonaro fez um discurso “histórico” na Assembleia-Geral da ONU. “Posicionou o Brasil na vanguarda do esforço para recuperar a vocação original da ONU como espaço que congrega nações soberanas”, escreveu Brandelli. 

Jair Bolsonaro no discurso de abertura da Assembleia-Geral da ONU. Foto: Alan Santos/PR - 24/9/2019

Ainda segundo o secretário, não acertar a dívida coloca em risco, inclusive, a capacidade de negociar temas administrativos e orçamentários naquele organismo.

“A palavra e o voto do Brasil, membro fundador das Nações Unidas, são registrados sem interrupções desde 1946. A eventual perda do direito a voto teria graves repercussões negativas para a credibilidade do País e para sua atuação multilateral”, afirmou.

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Na troca de ofícios entre a equipe econômica e o Ministério das Relações Exteriores, obtida pelo Estado, não há, no entanto, indicação sobre de qual área o governo deve retirar o valor necessário para fechar as contas com organismos internacionais. Procurados, os ministérios não quiseram se manifestar.

Em outro documento, o secretário Gomes reforça a “importância” de realizar os pagamentos até o final de 2019. “Tendo em vista o cenário ainda mais restritivo que se delineia para 2020, em função dos limites impostos pelo teto de gastos públicos”. O teto de gastos é o mecanismo que limite o crescimento das despesas à inflação.

Ainda de acordo com o secretário, os valores previstos ao próximo Orçamento para este tipo de pagamento são “irrisórios” e “somente suficientes para que não se cancelem as respectivas rubricas orçamentárias, o que seria operacionalmente muito negativo”.

A equipe econômica ainda argumenta, ao tratar da liberação de R$ 1 bilhão, que em 2019 destinou apenas R$ 15,95 milhões para pagamento a ONU e outros organismos internacionais, quando o compromisso do País somava de R$ 1,74 bilhão. 

Devo, não nego

Abaixo, a dívida de 2019 com organismos internacionais e possíveis consequência do não pagamento, segundo informações de nota técnica do Ministério da Economia obtida pelo Estado:

  • ONU (US$ 126,641 milhões)

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Há risco considerável de que o Brasil, pela primeira vez na história, perca o direito a voto na ONU a partir de 1º de janeiro de 2020, segundo o próprio governo brasileiro. O Brasil é atualmente o segundo maior devedor da entidade. A dívida atualizada em 21 de novembro soma US$ 415.874.800,70, dos quais US$ 143.058.597 tratam de orçamento regular e, o restante, a compromissos com missões de paz e tribunais internacionais.

  • CAF ( US$ 44.985 milhões)

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A exposição do banco a países como a Venezuela e a Argentina, atualmente em crise econômica, faz com que a dívida brasileira da parcela de 2019 aumente as chances de rebaixamento da nota da instituição pelas agências classificadoras de risco internacionais, afirma a equipe econômica. O Brasil é membro do banco desde 1995 e detém 8,9% de seu capital. Em dezembro de 2018, a CAF apresentava uma carteira de projetos e investimentos de USD 25,57 bilhões, dos quais o Brasil participava com USD 1,74 bilhão.

  • BID Invest (US$ 27.616 milhões)

O Brasil deveria efetuar ter pago até 31 de outubro de 2019 a parcela deste ano de suas obrigações com a corporação. O atraso significa juros de mora equivalentes a US$ 3.783,13 por dia. O Brasil detém a segunda maior participação no capital do BID Invest entre os países membros em desenvolvimento (correspondendo a um poder de voto de cerca de 10,6%). Em março de 2019, o BID Invest apresentava uma carteira de investimentos de US$ 1,9 bilhão.

  • Fonplata (US$ 27,6 milhões)

O não pagamento da parcela de 2019 implicará rebaixamento da nota de risco da instituição pelas agências classificadoras internacionais, dada a condição do Brasil como principal acionista da instituição (33%), afirma a equipe econômica. O rebaixamento elevará o custo de captação dos recursos pelo Fonplata e, consequentemente, o custo para os próximos empréstimos feitos ao Brasil. Fundador do banco, o País tem 33,3% de seu capital ordinário. Em julho de 2019, o Fonplata respondia por uma carteira de US$ 484 milhões em projetos de infraestrutura no Brasil.

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  • AID (R$ 43,240 milhões)

A não integralização da parcela devida em 2019 levaria o Brasil a perder poder de voto no Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), principal organismo do Grupo Banco Mundial, uma vez que a fórmula do poder de voto de cada país no BIRD toma por base não apenas seu PIB (80% da fórmula), mas também sua contribuição à AID (20% da fórmula). Também ocorreria o rebaixamento do papel assumido pelo Brasil no Brics.

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