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'Países precisam se preparar para ajudar mais pobres na crise', diz consultor do Banco Mundial

Para Tiago Falcão, é necessário estar pronto para novos momentos agudos na história

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

O consultor do Banco Mundial em proteção social, Tiago Falcão, diz que é preciso que os países se preparem para estender a rede de proteção aos mais pobres em momentos de crise, como o vivido pela pandemia, e elogia a rapidez com que o auxílio emergencial foi criado, graças à experiência que já existia do Bolsa Família. Segundo ele, que já foi por seis anos chefe da secretaria do governo responsável pelo programa criado na gestão petista, mais do que o reajuste automático do benefício, o melhor seria estipular critérios para aumentar automaticamente a linha de pobreza, o critério de renda que é usado para saber se a família tem direito ao benefício. 

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Leia a entrevista:

Como foi a resposta dos países com programas de transferência de renda durante a pandemia?

Temos um levantamento que ao redor do mundo pelo menos 734 medidas de ampliação, adaptação e criação de programas de transferências de renda foram implementadas por 186 países. Os países que tinham estruturas já montadas, robustas e de qualidade responderam de maneira mais rápida. O caso brasileiro é uma referência. Entre a decisão de se criar um programa emergencial e o início do pagamento, em duas semanas, o governo conseguiu iniciar pagamentos no Brasil inteiro. Isso só foi possível por conta da experiência que existia do Bolsa Família e do cadastro único.

Falcão: "Épreciso que os países se preparem para estender a rede de proteção aos mais pobres" Foto: Banco Mundial/Divulgação

O que fica dessa experiência?

A lição que fica para o futuro é que os países se preparem para novas crises, que não seja uma nova pandemia, mas relativas às mudanças climáticas, eventos extremos ou crises internacionais. É possível responder de maneira mais rápida se estiverem preparados para isso. E isso significa ter um registro administrativo de qualidade, com informações sobre a população mais pobre e vulnerável e ter os mecanismos de transferência que permitam uma resposta rápida ao longo desse processo. Ter uma estrutura de proteção social mais adaptativa e não tão rígida como foi o modelo do século XX, quando os programas eram ligados ao emprego formal e a quem tinha relações mais formalizadas com o Estado.

No caso brasileiro, o governo partiu para o aprimoramento do programa com a criação do Auxílio Brasil. Como avalia essa mudança?

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Os programas de transferência de renda são muito dinâmicos. Percebemos em vários países aperfeiçoamentos, alterações, mudanças. Isso já existia antes. O México traz muito essa ideia com a troca denomes a partir de governos que se sucedem no poder. O dinamismo, a criatividade em torno desses programas, não é uma novidade. Não temos ainda uma avaliação que diga que os países estão mudando os seus programas prévios por conta da covid. Vamos precisar de mais um tempo para estudar isso. No caso brasileiro, é interessante entender que já existia um debate dentro do governo de mudanças no programa antes da crise, antes de 2020. O governo Temer já vinha com uma discussão nessa linha. Foram feitas algumas alterações no Bolsa Família e no governo Bolsonaro isso se intensifica. O que podemos dizer é que o desenho que surge agora, sim, para alteração do Bolsa Família tem influência do período de crise. Não há como negar.

De que forma?

Em dois aspectos centrais. O debate em torno do tamanho do programa e do valor dos benefícios. O Bolsa Família já alguns anos vinha variando entre 13 e 14 milhões de famílias. O auxílio emergencial chegou a 68 milhões de beneficiários. Temos uma expansão do programa gigantesco. O programa não pode voltar a ser o mesmo, com 14 milhões de beneficiários. Essa é uma dimensão que a crise influencia o novo programa.

O que se pode esperar agora?

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Apesar dessa crise ser mais longa, há de se pensar também como esse novo programa vai funcionar num contexto de recuperação econômica. De um lado, ele pode fortalecer a recuperação econômica e reduzir crises maiores do ponto de vista social.Os estudos do banco mostram que as recuperações de crise, na América Latina em especial, são lentas e que, em geral, tem uma dificuldade maior de recuperação no setor formal do que informal, criando cicatrizes que são permanentes e se estendem ao longo da vida. Aqueles que perderam o emprego ao longo da crise ou que entraram no mundo do trabalho, estamos falando especialmente de jovens no período de crise. Estudando crises anteriores, o banco mostra que os impactos da crise permanecem ao longo da vida laboral dessas pessoas. O programa de transferência de renda pode ser acoplado com outras iniciativas de forma que essas cicatrizes sejam menores e, aí, entra a necessidade de ter uma estratégia mais abrangente do que não só a transferência de renda. Isso envolve apoio ao empreendedorismo e à qualificação profissional.

Como avalia a mudança do Bolsa Família para o Auxílio?

Uma avaliação mais profunda vamos precisar de mais tempo para fazer. O banco tem um posicionamento desde a crise de 2017 da necessidade de expansão do programa, de revisão dos valores da linha de pobreza (critério de renda pelo qual as famílias passam para ter direito ao programa) e do benefício. Eles caíram ao longo dos anos e é importante a manutenção e valorização do valor real da linha do benefício. Perder a capacidade de compra e o valor real nas linhas de acesso ao programa é um fator ruim e vemos isso desde 2018. É interessante que esse debate esteja sendo feito agora de maneira mais aberta e clara. O relator teve uma proposta bastante ousada e indexação dessa linha. É um debate interessante. Há vantagens e desvantagens dessa indexação.

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O reajuste automático evitaria que o programa fosse utilizado como medida eleitoreira em ciclos eleitorais?

É difícil dizer isso. Ela traz um critério mais claro de como o reajuste vai ser feito. Têm analistas que dizem que o Bolsa Família tem uma tradição de ter reajuste durante anos eleitorais e que de certa forma isso vinha acontecendo em outros momentos. E, aí, ter um critério automático de reajuste é interessante. Mas eu entendo também as ponderações da área econômica em relação à dificuldade de previsão orçamentária. De qualquer forma, é muito bem vindo o debate de estabelecer critérios de reajuste da linha de pobreza. Isso já vinha sendo demonstrado pelo banco que os critérios de reajuste mais claros precisam ser colocados, se é anual, periódico, se é bianual, se é com base num indicador específico, é um outro debate que precisa aprofundado, mas a necessidade de revisões periódicas do valor do benefício e do valor da linha éum ponto que já vinha sendo destacado tanto pelo banco como por especialistas.

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