O presidente Jair Bolsonaro precisa sustentar por um tempo o faz de conta da trégua com o Judiciário para conseguir o que quer: uma solução para o pagamento de R$ 89 bilhões de precatórios.
Precatório, precatório, precatório. Essa é a única agenda econômica que importa para o presidente. O resto vem a reboque. O governo precisa encontrar uma solução para essa encrenca que estava fora do script eleitoral. Frear a volatilidade do mercado que impacta o dólar e contamina os preços, como os dos combustíveis, é o primeiro passo.
“Se o dólar dispara, influencia o combustível”, ensinou o presidente aos seus apoiadores ao tentar explicar a carta à nação, escrita pelo seu antecessor, Michel Temer. Um jogo para interromper a subida da moeda norte-americana e dos juros num ambiente altamente sensível de descontrole da inflação e risco amplificado pelo bloqueio nas estradas por caminhoneiros, movimento insuflado pelo próprio presidente.
Uma solução alinhada com o STF para os precatórios será necessária, como já disse à coluna o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ). O cálculo econômico precisa ser considerado na conta dos próximos passos na leitura do jogo político que levou o presidente a abandonar temporariamente o discurso radical e a desobediência de decisões da Justiça.
O presidente não consegue nada sem irrigar mais recursos para os aliados e para o seu plano eleitoral. Com um Orçamento que tem um “buraco” de cerca de R$ 70 bilhões, não é o caso mais de concorrência entre o Bolsa Família turbinado e as emendas parlamentares turbinadas. Não tem espaço também para a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e o aumento do fundo eleitoral. Mesmo com um acordo para quebrar o teto de gastos para a retirada os precatórios do limite das despesas, a situação continuaria periclitante.
Quem fez as contas já percebeu o tamanho do problema, e observa o risco da volta da tentação de subestimar as despesas obrigatórias, numa repetição do que aconteceu no Orçamento deste ano.
Com esse aperto, e nenhuma disposição para cortar emendas, é que se mantém viva a proposta de seguir renovando o auxílio emergencial – que atinge um público muito mais amplo – com crédito extraordinário, que fica fora do teto. O discurso é o mesmo: a pandemia continua. Essa hipótese não está descartada como fazem crer as declarações recentes de integrantes da equipe econômica.
Nesse cenário, os recursos para o programa Bolsa Família ficariam com o que está previsto no Orçamento (R$ 34,7 bilhões), e a “revolução” do microcrédito da Caixa para 100 milhões de pessoas, com valores muito baixos, faria o resto.
O risco desse caminho é deixar explícito que o fura-teto será para viabilizar as emendas dos parlamentares, caindo por terra o discurso que mais cresceu em Brasília entre os políticos antes e depois das manifestações antidemocráticas do feriado de 7 de Setembro. Virou moda a repetição de que é necessário voltar os olhos para a agenda de solução dos problemas do Brasil real, como a inflação, a alta do combustível, o aumento da pobreza e a perda de renda.
O discurso é esse, mas a prática é outra. No dia seguinte em que pregou a pacificação em nome da pauta do Brasil real, o presidente da Câmara, Arthur Lira, priorizou a votação de qual proposta? O Código Eleitoral. As prioridades são outras. Distritão, retorno das coligações, fundo eleitoral...
A Câmara preferiu tocar o projeto do Imposto de Renda, que reduz receita, ao invés de unir forças para resolver o problema real do País que é combater o aumento da pobreza com um bom programa social. Já tem um mês do envio da medida provisória que acabou com o programa Bolsa Família e criou o Auxílio Brasil, sem que nada tenha avançado. Sendo que o ministro João Roma chegou a dizer que o valor seria definido em setembro.
Essa MP precisa avançar nos próximos 50 dias para entrar em vigor em novembro, como prometeu o governo. Mas não se ouviu até agora nenhuma grande liderança governista propondo uma discussão séria para melhorar o texto.
É muita monetização da política, e o Congresso perdendo a substância de sintonia com a população. São pautas que viram as costas para o real Brasil, que continuará sendo afetado pela desordem política. Não há trégua.
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA