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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Para construir um serviço público do futuro, é preciso começar a mudá-lo desde já

Uma reforma administrativa que se preze tem como base a modernização e a adequação das práticas de gestão de pessoas no setor público

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

A reforma administrativa não é, como foi a da Previdência, uma mudança de parâmetros num sistema de regras de contribuições e pagamentos que passa a valer na sequência de sua aprovação. Diferentemente, a aprovação de uma reforma administrativa pelo Congresso Nacional – quando e se ela vier a acontecer – é apenas o apito inicial de um jogo cujo resultado depende de vários outros fatores que ainda se seguirão e que ainda nos são totalmente desconhecidos. 

O desenrolar e o resultado final desse jogo dependerão das regras iniciais e secundárias (as leis e regulamentações, cujo teor ainda não conhecemos) e da qualidade da sua implementação. Ou seja, da capacidade dos jogadores – gestores e servidores públicos em geral – de transformarem essa reforma numa mudança real e concreta no funcionamento da máquina pública. São várias etapas que vão desde as definições das regras até suas efetivas implantações, que, muito além de parâmetros, significam profundas alterações nos processos atuais e mais ainda na cultura do serviço público brasileiro. Além disso, há a interpretação dessas novas regras e processos, sempre a cargo de um Judiciário corporativista quando se trata de ameaçar seus privilégios. Em cada uma dessas etapas, há enormes riscos de retrocesso. Longe de ser, portanto, o apito inicial um grande trunfo. 

Reforma administrativa é uma construção; por isso, já está atrasada Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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Nessa etapa de discussões, alguns conceitos deveriam servir de norte. Afinal, uma reforma administrativa que se preze tem como base a modernização e a adequação das práticas de gestão de pessoas no setor público de forma a garantir a melhoria dos serviços para a população. É uma reforma do RH do Estado, resgatando conceitos corretos de seleção, capacitação, desenvolvimento, valorização e meritocracia, que garantirão uma força de trabalho adequada no seu dimensionamento, além de diversa, motivada, bem remunerada e, acima de tudo, geradora de resultados positivos para a sociedade. 

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ciente da importância do serviço público para que se atinjam os objetivos de desenvolvimento econômico e social, definiu 14 princípios que devem caracterizar a liderança e a competência na função pública.

São conceitos que visam a garantir uma função pública profissional, competente e eficaz e que atendem à proteção dos valores públicos e do interesse comum. Além disso, a função pública deve acompanhar os avanços tecnológicos e as novas demandas por qualificação e flexibilidade, necessárias à composição de uma força de trabalho diversa e alinhada aos novos tempos. Os 14 princípios se dividem em três conjuntos. 

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O primeiro diz respeito ao desenvolvimento de uma cultura e de uma liderança baseadas em valores e espírito público. Para isso, há de se definir, comunicar e promover esses valores, dentre eles a imparcialidade, a diversidade e a inclusão. Proatividade e inovação – conquistados mediante a troca com outros setores – são também parte desses valores. A defesa do interesse público é a parte central e inegociável. 

O segundo conjunto visa à efetividade e à confiabilidade. Aqui, capacidade, competências adequadas e conhecimento são pré-requisitos. Esses têm de vir junto com atratividade, que se conquista com reconhecimento e meritocracia e passa, necessariamente, por avaliar, premiar e reconhecer o desempenho, talento e iniciativa. 

O último conjunto diz respeito aos desafios atuais, incorporando flexibilidade e adaptabilidade em uma abordagem estratégica de gestão de pessoas, com indicadores apropriados para acompanhamento dos processos e avaliando de forma sistemática quesitos como mobilidade, desenvolvimento e competências da força de trabalho. Assegurar a representatividade dos servidores também é parte desse processo, com transparência, diálogo e canais de comunicação confiáveis e abertos.

Construir um serviço público do futuro depende de começar a mudá-lo desde já, incorporando esses princípios por meio de um processo de discussão, amadurecimento e reformas que não se fazem da noite para o dia. A reforma administrativa é uma construção. Por isso, já está atrasada. Mas não será apitando o começo do jogo achando que já é o final que construiremos o serviço público que precisamos hoje e no futuro.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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