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Para errar, basta o governo

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Por Rolf Kuntz
Atualização:

O governo brasileiro já é bastante ruim sem a oposição se intrometer na condução da política econômica. A sugestão do presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, de criação de um gabinete de crise é mais um motivo de preocupação depois das últimas notícias sobre o estado da economia. O Brasil nada ganhará se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva der alguma atenção a essa ideia, assim como nada ganhou, até hoje, com os palpites do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Mas o País também não ficará em melhor situação, se o presidente continuar misturando o combate à crise com a campanha eleitoral de 2010. Por enquanto, segundo tudo indica, a preocupação dominante é mesmo a próxima eleição. Só isso explica o plano (por enquanto, intenção mal explicada) de habitação subsidiada para a população mais pobre. O problema não é oferecer casas e apartamentos a essas famílias. Os programas de habitação para favelados, em São Paulo, mostram as possibilidades desse tipo de ação. Mas programas dessa natureza não se improvisam nem se deve realizá-los sem um bom planejamento financeiro. O governo federal não foi capaz, até agora, de explicar qual será o custo fiscal do programa, qual será o cronograma de desembolsos e de onde sairá o dinheiro. Perde tempo com essa ideia improvisada pelo presidente, em vez de apenas adotar um esquema convencional e mais simples para estimular o setor e facilitar a criação de empregos. É este o problema imediato da economia brasileira. Garantir a eleição da ministra Dilma Rousseff é problema do presidente, não do País. O senador Sérgio Guerra só tem razão quando cobra do presidente da República mais ação e menos discurso. Em todo o resto sua intervenção é mal inspirada. Ele propôs, por exemplo, a intervenção do presidente Lula para forçar um corte de juros pelo Banco Central (BC). Esse corte podia ser muito desejável, mas a sugestão foi extremamente infeliz. Agir como se o Banco Central fosse independente foi um dos principais acertos do presidente Lula, desde sua mudança para o Palácio da Alvorada. Se tivesse tomado outro rumo e ouvido os palpites de políticos, empresários e sindicalistas, a política monetária teria virado uma bagunça, porque as decisões seriam influenciadas por lobbies e tomadas de acordo com as conveniências políticas do momento. A inflação teria ido para o espaço, porque o gasto público nunca parou de crescer e, além disso, a qualidade da política fiscal desabou no segundo mandato. Exatamente por isso o presidente da República se meteu numa sinuca de bico: aumentou barbaramente as despesas de custeio, em geral improdutivas, e, agora, num ano de crise, tem pouco espaço para remanejar despesas. Raramente os oposicionistas mostram interesse por problemas desse tipo - muito mais importantes que sua agenda habitual. A oposição brasileira tem sido sistematicamente incapaz de impor uma barreira à irresponsabilidade fiscal do Executivo. Sua contribuição para aperfeiçoar a proposta orçamentária, ou para impedir a piora do projeto tem sido nula, na melhor hipótese. Também nada fez de relevante para fazer valer o limite constitucional à edição de medidas provisórias. A Proposta de Emenda Constitucional sobre a tramitação das MPs acaba favorecendo o abuso, ao atribuir às Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado o juízo sobre a admissibilidade. Onde estavam os oposicionistas, quando se abriu essa porteira para a passagem das MPs? Com a benevolência dessa mesma oposição, o senador Renan Calheiros entregou a presidência da Comissão de Infraestrutura, uma das mais importantes para o controle de qualquer programa de obras, ao senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello. Uma oposição incapaz de cumprir suas tarefas elementares no Congresso nem deveria pensar num gabinete de crise. Entre um governo ruim e uma oposição lamentável, o mais prudente é torcer para o presidente criar juízo e cobrar maior competência de sua equipe. O combate à crise deve envolver ações em várias frentes, como a criação de facilidades para a exportação, uma execução mais competente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e um uso mais cuidadoso e mais eficaz dos incentivos fiscais e financeiros. Até agora, os lobbies mais ativos têm comandado a concessão de alívio tributário e de ajuda financeira a setores industriais. Não há o menor sinal de planejamento sério por trás das decisões tomadas pelo Executivo. Se discutisse esses pontos com alguma competência e seriedade, a oposição faria algo útil. *Rolf Kuntz é jornalista

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