Para especialistas, judicialização excessiva prejudica crescimento do setor aéreo

Empresas dizem que Judiciário brasileiro não leva em conta tratados internacionais que regulamentam a aviação civil em todo o mundo

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Por Letícia Fucuchima
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Executivos e especialistas do setor aéreo afirmam que o crescimento explosivo das ações judiciais contra as empresas de aviação tem prejudicado o desenvolvimento desse mercado no Brasil. O número de processos propostos por consumidores contra as aéreas saltou de 64 mil em 2018 para 109 mil apenas entre janeiro a julho deste ano, de acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer). 

Aeroporto de Congonhas, em São Paulo Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

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A avaliação é que esse movimento ganha força justamente em um momento no qual a indústria ganhou fôlego extra, com a abertura ao capital estrangeiro e a redução do ICMS cobrado sobre combustível em vários Estados. No horizonte, há ainda a perspectiva do fim da tarifa de embarque em voos internacionais e outras medidas de estímulo às companhias de baixo custo.

Para o Procon-SP, porém, o abuso é das próprias empresas. Segundo o diretor-executivo da entidade, Fernando Capez, quem criou esse excesso de judicialização foram as próprias companhias, que oferecem soluções "insuficientes" aos consumidores quando acontece um problema no transporte aéreo. "Como você vai dar mil dólares para quem ficou 30 dias sem a bagagem, precisou comprar um monte de roupa, perdeu quatro ou cinco passeios, teve uma viagem planejada estragada? Como podem oferecer só o valor da roupa que estava presumida?", questiona. Para ele, o dano moral nesse tipo de caso está "implícito".

As empresas, porém, dizem que o judiciário brasileiro não aplica nos julgamentos tratados internacionais que normatizam a aviação civil, como a Convenção de Montreal. Advogados especializados entendem que esses tratados deveriam prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas essa não tem sido a interpretação dos tribunais, principalmente de 1ª e 2ª instâncias.

Para eles, a prevalência do CDC criou uma "indústria de indenizações", que estimula consumidores a entrarem na Justiça mesmo quando não sofreram os danos alegados, principalmente o dano moral, segundo Ricardo Bernardi, vice-presidente do Ibaer.

Para o presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier, o excesso de judicialização é um impeditivo para companhias low cost que queiram se instalar no País. Ele destaca que, até hoje, nenhuma das entrantes iniciou operações de voos domésticos.

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"Minha sensação é de que essas empresas estão fazendo as contas e vendo que é muito complexo. Na Latam, temos 5 mil ações na Justiça por mês. Imagina a quantidade de advogados que preciso ter para estarmos presentes nas audiências, a máquina interna que preciso para preparar para a defesa em cada um desses 5 mil processos, a quantidade de informações para minimamente apresentar diante do juiz e explicar o que aconteceu nesses casos específicos”, diz Cadier. “Não é o que companhias aéreas que operam fora do Brasil estão acostumadas a fazer, e acho que isso assusta."

Para advogados especializados no setor, os tribunais erram ao considerar que um dano material (por perda de bagagem, por exemplo) cria "automaticamente" um dano moral ao passageiro. Segundo o vice-presidente do Ibaer, a maioria das indenizações por dano moral concedidas pelo tribunais brasileiros não têm respaldo num dano propriamente dito, e sim um "caráter punitivo", o que é vedado pela Convenção de Montreal, ratificada pelo Brasil em 2006.

"O Código de Defesa do Consumidor foi muito importante para trazer mais qualidade à prestação dos serviços aos consumidores. Só que a interpretação foi levada ao extremo neste caso, a um extremo que acabou prejudicando o próprio consumidor, pela insegurança jurídica que gera. Temos de trazer isso a um equilíbrio", defende Bernardi.

Mesmo quem está do lado dos consumidores reconhece que a judicialização do setor é um problema a ser atacado. "O País tem de caminhar para um processo de solução das demandas por meios dissuasórios, amigáveis, mais práticos", diz Capez, do Procon-SP. "Estamos nessa cruzada". Para ele, além do próprio Procon, há outros serviços, como a plataforma "Consumidor.gov.br", que ajudam a resolver conflitos com as aéreas de forma muito mais rápida e menos burocrática do que a Justiça. 

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