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Para Mantega, BC causou a turbulência

Por Agencia Estado
Atualização:

O economista Guido Mantega, um dos principais assessores econômicos do PT, embarca nesta segunda-feira para os Estados Unidos, para reuniões com investidores internacionais que têm mostrado mau humor com os títulos brasileiros. Ele vai tentar convencê-los de que o programa do PT - uma proposta de crescimento econômico, ampliação das exportações, redução da dívida social - é consistente e suficiente para recuperar a confiança na economia brasileira. Aos 53 anos, o economista, formado e doutorado pela USP, diz que a turbulência dos últimos dias no mercado foi em razão de três erros do Banco Central - queda de braço com o mercado em torno das LFTs, a não redução dos juros nas duas últimas reuniões do Copom e a mudança na contabilidade dos fundos, a chamada "marcação a mercado". Mantega diz que nervosismo é natural em anos eleitorais, "aconteceu até no México, na eleição de Fox". Garante que o novo programa do PT sai até o final deste mês, dando a entender que o texto eliminará contradições e unificará o discurso. Sua expectativa é que, mesmo com o aumento de vencimentos de títulos da dívida para o começo do próximo governo, o mercado se acalmará, assim que o novo governo estiver empossado, a equipe econômica indicada e o programa se tornar conhecido. E avisa: "Não é sempre que especulador ganha, às vezes também perde dinheiro". Leia os principais trechos da entrevista concedida à reportagem, sábado à noite. Agência Estado - A pesquisa Datafolha deu Lula 40%, Serra 21% e confirmou em parte o que se dizia na sexta-feira. Isso muda a expectativa do mercado? Guido Mantega - O mercado não trabalhou em função da pesquisa, mesmo porque qualquer operador de inteligência mediana sabia que a pesquisa ainda não estava feita. O que afetou o mercado positivamente foi o vazamento da teleconferência do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, dizendo que ia operar no mercado de dólar, poderia lançar mão dos US$ 10 bilhões que estão disponíveis no FMI. Isso é o que pesou mais. O que o senhor acha de atribuir essa turbulência ao risco político? Vários economistas, inclusive que não têm nenhuma ligação com a oposição, fizeram análises, na semana passada, mostrando que essa turbulência no mercado se deve principalmente aos equívocos do BC. É claro que o contexto eleitoral deixa o mercado um pouco mais nervoso, aliás isso é verdadeiro não só aqui no Brasil mas também em outros países. Não tem nada a ver com o fato de um candidato da oposição estar na frente nas pesquisas. Quando Vicente Fox estava à frente nas eleições mexicanas também havia alguma agitação no mercado. Há títulos de outros mercados emergentes caindo, como os russos, chilenos e mexicanos. Acho que a eleição está superestimada. O presidente da Fiesp disse que só esperava alguma turbulência para depois da Copa do Mundo. Isso se deve justamente aos equívocos do BC na administração da dívida pública, com pelo menos três erros consecutivos. O mercado está um pouco mais nervoso por causa das eleições e não por causa de um candidato de oposição. O BC tem que ficar mais alerta, um passo em falso numa conjuntura dessas pode levar a conseqüências nefastas. Quais erros? A administração da dívida pública com a história das LFTs. E esse braço-de-ferro com o mercado. É claro que o BC tem obrigação de tentar colocar títulos de mais longo prazo. Mas quando não dá, ele tem que recuar e não deixar que a corda arrebente. O segundo erro, muito importante, é o BC não ter alterado as taxas de juros na última e na penúltima reuniões do Copom. O BC já poderia ter reduzido a taxa de juros porque a inflação é descendente, não há risco de volta da inflação. Ao não reduzir a taxa de juros não só contrariou as expectativas do mercado como emitiu um sinal negativo ao mercado, provocando desconfiança. O mercado pensa: "Se o Banco Central não baixou os juros com a inflação caindo e com a economia totalmente estagnada, não há função de demanda, deve haver algum motivo, algum perigo à vista". O terceiro erro foi a chamada "marcação a mercado", a antecipação da obrigatoriedade dos fundos de investimento de contabilizarem os lucros ou perdas a valor presente. Bem no feriado, o governo surpreendeu e fez a modificação. Uma medida que seria correta numa outra circunstância passou a criar um medo adicional. Acho que essa medida já deveria ter sido tomada, pois desde 1995 existe essa obrigação. O megainvestidor George Soros disse que o Brasil está condenado a escolher José Serra ou será o caos. O que o senhor acha? Essa entrevista é extremamente preocupante porque coloca em risco a soberania brasileira e a própria democracia. O que está dito ali é que os mercados mandam no Brasil. Acho isso um absurdo, que está causando revolta. Tenho conversado com algumas pessoas que não são do PT e elas têm se mostrado indignadas. Acho que o próprio Serra deveria se rebelar contra essa postura, porque eu acho que o Serra não quer ser o candidato do mercado financeiro. A propósito, o presidente da Fiesp propôs um pacto mínimo a todos os candidatos, que garanta uma travessia mais tranqüila. O PT concorda? Eu não sei. Isso tem que ser examinado pela direção de cada partido. O PT certamente vai examinar isso e vai e se pronunciar. Não cabe a mim falar. Mas no meu ponto de vista os candidatos que estão são todos responsáveis, não tem nenhum louco, nenhum aventureiro querendo implantar algum plano maluco. Com o encurtamento da dívida, há um constrangimento para o próximo governo, preocupação com a não ruptura de contratos. O candidato Lula já tem se manifestado freqüentemente e dito que não há intenção nenhuma de rompimento de contrato, já falou na TV, nos jornais. Isso é um compromisso que estará escrito no programa de governo. Mas é preciso deixar claro que o programa de governo não se resume só a esses aspectos. Uma das coisas que se tem discutido muito é a dificuldade de o PT unificar seu discurso. Há uma data para o novo programa circular? Há uma data. E não há nenhuma contradição entre o discurso e o programa, o que há é um programa que está sendo elaborado, inclusive com discussões com a sociedade. Isso estava previsto, a discussão e as modificações. Então se houve um avanço, um amadurecimento, não há o que criticar. O programa de governo definitivo estará pronto até o final deste mês e deverá ser apresentado pelo Antônio Palocci, o seu coordenador. O economista Ricardo Carneiro tem sido mencionado como uma voz com um novo discurso... O Ricardo Carneiro falou o seu ponto de vista pessoal. Ele não estava falando em nome do partido, nem poderia fazê-lo. O que vale é o que está assinado por todos nesse programa de governo. E o que o candidato fala. O que o Lula fala e o presidente Zé Dirceu. O que o Aloizio Mercadante fala, o que eu falo, etc. O que o senhor espera que o Banco Central faça, e o que o PT pode fazer e os demais candidatos a respeito desse pacto? A dívida pública em relação ao PIB está aumentando porque o juros estão altos e o Banco Central não reduziu e o PIB não está crescendo também em função dos juros altos. Eu espero que o Banco Central tenha uma atitude mais profissional. Para começar não se envolva na campanha política e também não pode ficar jogando a culpa na oposição. Segundo, eu acho que o Banco Central tem que gerir com mais competência a divida publica. Num ano eleitoral é normal que haja o encurtamento da dívida, o que não é problemático. Eela pode ser alongada no próximo governo, quando for restaurada a confiança. Ainda sobre o pacto, o senhor acha que é possível haver essa publicação de um programa mínimo que dê essa garantia? Eu acho que a eleição não deve se pautar pelas necessidades dos agentes financeiros. Evidentemente eles fazem parte da sociedade brasileira. O PT, por exemplo, faz um programa voltado para os interesses do país e da maioria da população. Então ele não vai se pautar pelas necessidades, muito menos pelas exigências do mercado financeiro. Agora não compete a mim dizer isso, é a direção do partido O senhor está embarcando para os Estados Unidos? Eu fui convidado por dois grandes bancos para conversar com investidores para expor quais são as diretrizes do programa econômico e estou indo para isso. E o que o senhor pretende dizer a esses investidores? Eu vou dizer quais são as diretrizes do programa econômico, quais são os objetivos se o PT ganhar as eleições, que é enfrentar a questão social de uma maneira como nunca se fez no país, mostrando que ela é que ameaça a instabilidade, ninguém está falando disso, mas temos uma instabilidade social causada por essa situação de empobrecimento da população, marginalização, vamos mostrar como essa situação pode ser enfrentada e como isso passa pela recuperação do crescimento econômico.

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