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‘Para mercado, governo perdeu força’

Turbulência política da última semana tirou do governo a capacidade para aprovar com folga a reforma da Previdência, diz Stuhlberger

Por Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum
Atualização:

O gestor de fundos mais bem-sucedido do Brasil, Luis Stuhlberger, terminou a semana passada frustrado consigo mesmo. “Fui lerdo”, disse em entrevista ao Estado, no início da noite de sexta-feira, ao fazer uma reflexão sobre as suas reações como investidor diante de mais uma semana de reviravoltas – e que reviravoltas. Stuhlberger havia conversado com a reportagem na segunda pela manhã, mas foi preciso atualizar e ampliar as análises após o mercado reagir com pessimismo a dois acontecimentos: as mudanças feitas pela Câmara no pacote anticorrupção e o acordo de leniência da Odebrecht, cujas delações podem atingir centenas de políticos e até ministros da base de sustentação do governo. “A leitura do mercado é que a capacidade política do governo para aprovar a reforma da Previdência diminuiu”, diz ele. Por outro lado, na seara econômica, aumentou a pressão sobre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para que entregue crescimento. “O crescimento do ano que vem será muito baixo: não serve para dar popularidade”, disse Stuhlberger. A seguir os principais trechos das duas entrevistas.

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Qual a sua visão sobre o momento?

No começo do ano, como todo mundo, a gente tinha uma visão bem negativa do Brasil. Não acreditávamos – e de certa forma ainda não acreditamos – numa grande virada. Se você olhar o presente e o futuro do Brasil, amarrando um elástico entre esses dois pontos, o elástico fica muito esticado. Ou o futuro cai ou o presente sobe. Assim esticado é difícil ficar.

Stuhlberger afirma que foi lerdo como investidor ao fazer uma reflexão sobre suas reações a respeito a visão pessimista do mercado Foto: HÉLVIO ROMERO|ESTADÃO

Como assim?

O Brasil acordou lá em julho sem ter que ver Dilma ou Lula elogiando Fidel Castro ou Hugo Chávez. Isso deu um ânimo. Todos os indicadores de confiança tiveram uma melhora pronunciada. Em especial, sobre a situação futura. Mas ficou uma disparidade muito grande entre a situação corrente e a futura. Nunca houve uma diferença tão grande. No fundo, isso era a lua de mel. O preço do dólar e o preço da Bolsa, grandes marcos que podem sinalizar viradas na economia, diziam: ‘reformas serão feitas, a economia vai crescer e a dívida, em algum momento, vai parar de subir e cair.’ Mas a economia está muito fraca, fraca demais. Os indicadores de confiança não estavam consoantes com a realidade econômica. A arrecadação caiu uns 8%. O Produto Interno Bruto (PIB) fiscal, sem repatriação, está tipo - 8%. O PIB do consumo, - 5%. Agora, o estado de encanto está se encontrando com a realidade.

A lua de mel está em risco?

O problema que temos foi bem abordado pelo Eduardo Giannetti (numa entrevista ao Estado na semana passada). Ele lembrou a questão do capital político no caso do Geddel (Geddel Vieira Lima perdeu o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Governo após ser acusado de tráfico de influência pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero). O que aconteceu com o Geddel foi um choque de presente para o PMDB do passado. Até brinco que, um dia, o Brasil vai ter de fazer uma estátua para o Geddel. Graças a ele, a gente não vai ter anistia ao caixa 2. Se não, esse negócio ia passar.

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Na semana passada, teve mais instabilidade política por causa da votação do pacote contra a corrupção. O dólar subiu, a Bolsa caiu. Qual a leitura do sr.?

A gente tem uma apresentação para clientes que, no final, trata desses temas. O capítulo se chama “O Império Contra Ataca – a vingança do sistema”. O ‘sistema’ é o Executivo junto com o Legislativo tendo acesso a verbas enormes e sustentando os partidos. Nesse capítulo, avaliamos anistia de caixa 2, projeto contra abuso de autoridade, barreiras à Lava Jato e votação das 10 medidas contra a corrupção. Eu mostrei para um senador e ele disse: isso vai acontecer. A gente se livrou da anistia do caixa 2, mas o projeto contra o abuso de autoridade foi para a votação e teve uma reação grande da sociedade contra o resultado. Agora vamos ver como vai ser no domingo (hoje), ver o que aparece de manifestação. Mas está dado que os parlamentares querem fazer isso, só pensam isso. E quando isso ficou claro? La atrás, quando o Renan (Renan Calheiros, presidente do Senado) absolveu a Dilma (ao defender a manutenção de seus direitos políticos).

No acordão?

Sim. O acordão foi PT-PMDB. Você viu os votos (na sessão da Câmara que aprovou o pacote anticorrupção)? O PMDB deu quase todos os votos a favor, o PT também. Vou fazer uma consideração mais formal sobre tudo que eu ouvi e li nessa semana – afora a crueldade de terem usado a noite da Chapecoense e terem feito às 3 horas da manhã. O melhor resumo está no texto que eu li da Eurasia, uma consultoria política. O texto se chama “Temer, a escolha de Sofia”. As duas escolhas são péssimas. Ele pode ficar do lado da Lava Jato e, no limite, vetar o projeto ou talvez nem isso: usaria a base de apoio para que o projeto nem passasse no Senado. Mas a opção número um é empurrar com a barriga. Eu nem sabia, mas esse projeto já tem sete anos. Então, jogam mais para a frente e pronto. Mas digamos que ele seja confrontado. Aí, ele ficaria ao lado da Lava Jato. Por que? Se o parlamento resolver se vingar do Temer e não aprovar a reforma da Previdência, a culpa será do parlamento. O inverso – apoiar o parlamento – seria ter toda a mídia e as ruas contra ele, pedindo o ‘Fora Temer’. A reação do mercado foi por isso: jogou mais risco no Risco Brasil, na Bolsa, no dólar, no pré-fixado. Houve um razoável downgrade (rebaixamento) de Brasil com o risco de não conseguir aprovar a reforma da Previdência. Se ele, de fato, não conseguir aprovar essa reforma, vai ser muito pior do que vimos nesses dias. Mas o mercado já colocou mais risco aí. Tem a percepção que, mesmo que aprove, o que aprovar pode não ser tão bom.

O cenário complicou. É isso?

Complicou. Os desafios econômicos estruturais continuam iguaizinhos. Mas a leitura do mercado é que a capacidade política do governo para aprovar a reforma diminuiu. Ainda se vê que vai aprovar. Se fosse ‘não aprovar’, o País não iria para o caos, mas perderíamos dois anos. Iriam esperar para ver quem será o presidente eleito em 2018. Mas teve outra coisa importante que veio nessa semana.

O quê?

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Saiu o acordo de leniência da Odebrecht. Já se sabe quanto vai custar. São R$ 6,8 bilhões, mas pagos em alguns anos – é até barato perto do que os bancos americanos pagaram. Dizem que as delações podem envolver uns 150, 180 parlamentares. É o que dizem. Desse total, a maioria tem foro privilegiado. A lentidão do processo para quem tem foro privilegiado é atroz. Vamos voltar dois anos, quando saiu a denúncia sobre primeira empreiteira. Pegou todo o PP. Pegou Fernando Collor. Até agora, nem abriram processo. O Sérgio Moro é rápido. Mas para quem tem foro, não. O cara pode até morrer antes de ir a julgamento. Por aí, não temos o que chamam de ‘A Delação do Fim do Mundo’. O problema é se pegarem os ministros. Ministro é diferente.

E foi isso que levantou as preocupações sobre o andamento das reformas?

Sim. Se isso ocorrer, obrigatoriamente, você vai precisar colocar o PSDB para dentro do governo. Nesse caso, o que é importante discutir, porque é permanente e não temporário: a capacidade de o Temer manter gente dele na equipe, por ser alvo de delação, diminuiu bastante. Quem é o principal cara dele hoje? O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Se o Padilha cai, Temer terá perdido Geddel, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá. Sobraria Moreira Franco, que também pode ser arrastado – pelo que dizem. O núcleo duro, que dá sustentação ao Temer, que é responsável por grande parte da articulação política interna, pelo sucesso das negociações políticas até agora, basicamente terá ido embora. Padilha, de longe, é o melhor interlocutor dele. Se cair, vai piorar muito. Mas afora isso, Temer tem ainda pela frente escolhas econômicas.

Que escolhas?

O PIB do ano que vem está indo para número muito baixo. Nós estimamos entre zero a 0,5%. O Bradesco pôs 0,3%. Não serve para dar popularidade. Você começa a ter reclamações sobre a velocidade do corte da taxa de juros. Obviamente, tem pressão. A Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) e os setores alavancados, pessoas jurídicas com linha de crédito esgotada, empresas que gastam caixa, pessoas físicas tirando dinheiro da poupança. Bate aquele desespero: o que eu faço para crescer um pouco e ganhar popularidade? Vão começar a ouvir o Arminio (Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central) e a ouvir outros. Vão aparecer heterodoxias. Pressão para que Caixa e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social) emprestem mais. Acabou o período em que se falava: ‘Ok, Meirelles está lá, ele manda em tudo.’ Agora, as pressões serão grandes.

E qual a avaliação do sr. sobre a velocidade do corte da Selic?

Por princípio, nenhum presidente de Banco Central fica feliz com uma inflação mais alta. O Ilan (Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central) pegou o BC após um desastre de credibilidade. Mas o Ilan se amarrou numa camisa de força nessa de fazer a convergência da inflação para 4,5% no ano que vem. Na nossa opinião, com todo respeito que a gente tem com ele, isso é um equívoco. Não dá para ter esse juro real de hoje.

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E como é tomar decisões de investimento neste clima?

Na madrugada de terça-feira, votaram aquele troço. Na quarta de manhã, falei com o Daniel (Daniel Leichsenring, economista-chefe da Verde Asset): o que a gente faz? Vamos fazer hedge (operação para proteção financeira)? Fiquei a quarta inteira namorando a ideia do hedge. Pensei: hoje tem a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central). Pela primeira vez o Banco Central escreveu ‘a economia está indo mal’. Resolvi deixar para amanhã. Na quinta, tudo explodiu. Estou péssimo comigo mesmo. Me digo: você foi lerdo. Eu vi o que fazer e não fui rápido. Me sinto um estúpido. Mas é assim. Se você espera um dia para tomar uma decisão, pode ser tarde. Esse é o dilema da minha vida.