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Para não esquecermos

Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Há alguns meses participei de uma reunião de economistas e autoridades de finanças que debatiam a crise - o que mais poderia ser? O ambiente era de muita introspecção. Um conhecido legislador perguntou: "Por que nós não percebemos essa crise se aproximando?" Naturalmente, como resposta só havia uma coisa a dizer, e eu disse: "Nós quem, cara pálida?" Mas, falando sério, ele tinha razão. Algumas pessoas dizem que esta é uma crise sem precedentes, mas a verdade é que houve muitos precedentes, alguns deles muito recentes. Mas foram ignorados. E essa história de como "falhamos" em não perceber isso tem uma clara implicação política - ou seja, que a reforma do mercado financeiro deve ser feita rapidamente, que não devemos esperar até que a crise seja resolvida. Quanto aos precedentes, por que tantos observadores subestimaram os sinais claros de uma bolha imobiliária, apesar da bolha das pontocom ainda estar viva na nossa memória? Por que tantas pessoas insistiram que o nosso sistema financeiro tinha "capacidade de se recuperar", como dizia Alan Greenspan (ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano), quando, em 1998, o colapso de um único fundo de hedge, o Long-Term Capital Management, paralisou temporariamente os mercados de crédito em todo o mundo? Por que quase todo mundo acredita na onipotência do Federal Reserve quando o seu contraparte, o Banco do Japão, passou uma década tentando - e fracassando - reanimar uma economia estancada? Uma resposta a essas perguntas é que ninguém gosta dos desmancha-prazeres. Enquanto a bolha imobiliária inflava, os credores ganhavam muito dinheiro emitindo hipotecas para qualquer um que passasse pela porta; os bancos de investimento lucravam ainda mais refinanciando essas hipotecas com a emissão de novos títulos; e os gestores de recursos, que contabilizavam enormes lucros não realizados comprando esses títulos com fundos tomados emprestados, pareciam gênios e eram pagos de acordo. Quem iria querer escutar aqueles sinistros economistas alertando que o processo todo era, na realidade, um gigante esquema Ponzi (esquema fraudulento de ganhar dinheiro)? Houve uma outra razão pela qual o establishment político econômico não pressentiu a aproximação da atual crise. As crises da década de 90 e dos anos iniciais desta década deveriam ser vistas como terríveis presságios, indícios de que algo pior ainda estava por vir. Mas todo mundo estava muito ocupado, comemorando o sucesso no combate àquelas crises, para notar algo mais. OS TRÊS MARQUETEIROS Considere, em particular, o que ocorreu após a crise de 1997-98. Ela mostrou que o sistema financeiro moderno, com seus mercados desregulados, seus participantes altamente alavancados e fluxos de capital globais, estava ficando perigosamente frágil. Mas, quando essa crise foi apaziguada, a ordem do dia foi o triunfalismo e não um exame de consciência. A revista Time chamou Alan Greenspan, Robert Rubin e Lawrence Summers de o "Comitê para salvar o mundo", frase que ficou famosa. Os "Três Marqueteiros" que "evitaram um derretimento global". Na verdade, todos declararam uma vitória, por sairmos da beira da crise, mas esquecendo de indagar, primeiro, como chegamos tão próximo dela. De fato, tanto a crise de 1997-1998 como o estouro da bolha das pontocom provavelmente tiveram o efeito perverso de tornar investidores e autoridades públicas mais, e não menos, complacentes. Como nenhuma das crises chegou à altura dos nossos piores temores e nenhuma delas provocou uma outra Grande Depressão, os investidores passaram a acreditar que Greenspan tinha o poder mágico de solucionar todos os problemas - e se suspeita que assim pensava também o próprio Greenspan, que se opôs a todas as propostas de uma prudente regulamentação do sistema financeiro. Agora estamos em meio a uma nova crise, a pior desde a década de 30. No momento, todos se concentram numa resposta imediata para o problema. As medidas mais agressivas adotadas pelo Fed para desbloquear os mercados de crédito finalmente vão começar a surtir efeito? O estímulo fiscal preconizado pela administração Barack Obama vai mudar a situação do emprego e da produção? (a propósito, não estou muito certo se a equipe econômica está pensando de maneira suficientemente abrangente). A PRÓXIMA CRISE E como nós todos estamos tão preocupados com essa crise, é difícil concentrar a atenção em questões de prazo mais longo - colocar um freio no nosso sistema financeiro descontrolado, e também impedir, ou pelo menos limitar, a próxima crise. Mas a experiência da última década sugere que devemos nos preocupar com a reforma financeira, sobretudo com uma regulamentação do "sistema bancário paralelo", no centro da atual desordem, o mais brevemente possível. Tão logo a economia entre na rota da recuperação, os trambiqueiros novamente começarão a ganhar dinheiro fácil e fazer muito lobby contra qualquer um que tente limitar seus resultados finais. Além disso, o sucesso dessas tentativas de recuperação acabará por parecer algo predestinado, embora não seja, e a urgência de uma ação poderá se perder. Portanto, eis aqui o meu apelo: mesmo que a agenda da próxima administração já esteja muito cheia, ela não deve adiar a reforma financeira. O momento de começar a impedir a próxima crise é agora. *Paul Krugman é articulista

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