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Para os pobres

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Por Celso Ming
Atualização:

Ontem, o presidente Lula fez uma dessas declarações que deixam as pessoas sem saber se é ou não para levá-las a sério. Disse que, em vez de baixar impostos para incentivar as vendas, é melhor distribuir de uma vez o dinheiro entre os pobres. Eles decidirão em que gastar - e não será com automóveis e provavelmente também não com geladeira nova. A declaração lembra a de economistas ortodoxos, avessos a tudo quanto lembre política industrial, que é eleger os setores que devem receber prioritariamente recursos públicos. Diante de qualquer dificuldade, empresários, sindicalistas e políticos estão acostumados a recorrer ao governo. Entendem sempre que um superpai deve socorrê-los, em nome do interesse nacional ou da preservação de empregos. Eles sempre arranjam um enfeite argumentativo destinado a encobrir incompetências administrativas. O setor de brinquedos, por exemplo, como não pode sustentar tratar-se de um setor estratégico, defende que precisa de benefícios públicos. Não protegê-lo, segundo seus cartolas, é distribuir dinheiro fácil para os produtores da Barbie (Mattel) ou para os irritantes chineses, que jogam sujo no mercado e tal. Nesta crise, os Estados Unidos e os países ricos da Europa fizeram bem mais do que simplesmente cortar impostos. A decisão foi salvar bancos, seguradoras, sociedades de crédito imobiliário e até mesmo fundos de investimento - desta vez atendendo ao princípio de que não se deve brincar com instituições cuja quebra possa colocar em risco todo o sistema financeiro. Mas essa decisão de salvar grandes interesses não se limitou às instituições financeiras. O resgate dos detroitossauros (para ficar com a expressão da revista Economist) não teve nada a ver com o sistema financeiro. A crise das grandes montadoras americanas não aconteceu porque estourou a bolha imobiliária. Foi o resultado de uma longa história de erros, omissões e decadência administrativa... que agora ganha um prêmio. Aqui no Brasil, a decisão do governo - que o presidente Lula agora parece lamentar - também foi estimular as vendas das montadoras e das empresas de aparelhos domésticos, em nome da preservação de empregos. Os demais setores da economia foram ignorados. Tudo se passou como se o emprego proporcionado por uma montadora ou uma indústria de autopeças valesse socialmente mais do que um emprego no setor de serviços ou nos 2,2 milhões de pequenas e médias empresas, o segmento que garante hoje cerca de 17 milhões de postos de trabalho no Brasil. Enfim, a decisão de preservar o que existe, com os problemas que carrega, é conservadora e dificilmente é a melhor. A redução do IPI para as montadoras guarda um viés sindicalista que tem a ver com a própria história do PT. Além disso, intervenções desse tipo, especialmente as decididas pelos países ricos, impedem o funcionamento do princípio da destruição criativa, evocado pelo economista Joseph Schumpeter, que é a lei de que os incapazes devem dar lugar aos mais criativos e mais eficientes. Em todo o caso, o presidente Lula não deve ter pensado em nada disso quando disse que é melhor repassar para os pobres a dinheirama da renúncia fiscal, que ele próprio decidiu.

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