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Economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio, Rogério Werneck escreve quinzenalmente

Opinião|Para pensar na economia do futuro, é preciso estudar o passado

Texto escrito em outubro de 2021, quando Affonso Celso Pastore escreveu o livro “Erros do passado, soluções para o futuro: a herança das políticas econômicas do século XX”

Atualização:

Num país infenso às lições da História, sempre pronto a voltar a se fascinar com os mesmos descaminhos desastrosos de sempre, o título do novo livro de Affonso Celso Pastore – publicado pela Portfolio-Penguin, da Editora Schwarcz – soa como indispensável e oportuna conversa de forca em casa de enforcado: Erros do passado, soluções para o futuro: a herança das políticas econômicas do século XX.

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Com cinco décadas de presença destacada no debate econômico brasileiro, Pastore firmou-se como uma das vozes mais respeitadas do País. O livro cobre amplo e variado leque de questões a que o autor se dedicou com mais afinco, ao longo de sua extensa vida profissional.

Não há aqui espaço para fazer jus ao cuidado analítico revigorado com que Pastore revisita e reexplora cada um desses temas que lhe intrigaram no passado. Não posso mais do que me ater a um sobrevoo seletivo de algumas das questões tratadas, na esperança de que o leitor entreveja, com a nitidez possível, o escopo, a atualidade e a relevância do livro.

Para Affonso Celso Pastore, é preciso atacar de frente as distorções da indústria. Foto: Werther Santana/Estadão

Tendo em conta a pujança e as dimensões atuais do agronegócio no Brasil, os mais jovens talvez não saibam que, há não mais que 50 anos, o debate econômico no País ainda estava dominado por grande desalento com as possibilidades de desenvolvimento do setor agropecuário.

Arguia-se, então, que, em decorrência de uma estrutura agrária arcaica, marcada pela prevalência de técnicas atrasadas, a oferta de produtos agrícolas mostrava-se entorpecida pela insensibilidade a preços. E mesmo os que admitiam que nem tão insensível (inelástica) a preços era a oferta alegavam que a agricultura brasileira estava presa a uma armadilha fatal. Tendo em vista a extrema inelasticidade-preço e a baixa elasticidade-renda da demanda por produtos agrícolas, os ganhos esperados de uma expansão da oferta propiciada por elevação da produtividade estavam fadados a ser anulados, em boa medida, pela inexorável queda de preços que provocaria.

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Salta aos olhos, hoje, como esse debate carecia de análise empírica rigorosa, que pudesse propiciar estimativas econométricas confiáveis das magnitudes das elasticidades que vinham sendo brandidas a torto e a direito. Pois foi exatamente isso que Pastore se dispôs a fazer, com pioneirismo, já em sua tese de doutorado na USP, em 1969, marco inicial de um esforço de pesquisa mais amplo que viria a desmistificar as premissas de tamanho desalento, como cuidadosamente analisado no primeiro capítulo.

Nessa mesma época, em contrapartida a seu desalento com a agricultura, o País nutria entusiasmo sem limites pelo aprofundamento a qualquer custo da industrialização. É o que Pastore discute no quarto capítulo, sobre o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), lançado pelo governo Geisel, em 1974, em resposta à elevação dos preços internacionais do petróleo. Tal discussão é feita no contexto de excelente análise, bem mais ampla, dos erros que redundaram na grave crise da dívida externa enfrentada pelo País no início dos anos oitenta, contra o pano de fundo do progressivo agravamento das contradições do regime monetário internacional então vigente.

Os descaminhos da indústria no Brasil voltam a ser analisados no sétimo capítulo. Após cuidadosa desconstrução dos argumentos por trás da ideia de que o crescimento de economias emergentes exigiria a manutenção de uma taxa de câmbio fortemente desvalorizada, Pastore argui que o que é preciso, hoje, é evitar subterfúgios, atacar de frente as distorções da indústria e encarar os desafios da abertura comercial.

Há ainda quatro outros capítulos em que o autor reanalisa temas que sempre lhe foram caros: o milagre brasileiro, as sementes da inflação inercial, a superinflação dos anos oitenta e o problema fiscal.

Não se trata de livro voltado para o público em geral. Mas quem tiver alguma formação em economia não deveria deixar de tirar bom proveito da lucidez e do cuidado com que Pastore reexamina, agora, as questões que mais lhe instigaram, em sua fértil e longa trajetória profissional.

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*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Opinião por Rogério Werneck
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