Para privatizar Correios, governo deixa Câmara afrouxar limite de gastos das estatais

Regra, que estabelece limite máximo para despesas de empresas públicas com plano de saúde, foi criada no governo Temer e ajudou a reverter uma trajetória de prejuízos bilionários dos Correios

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Anne Warth
4 min de leitura

BRASÍLIA - Em uma estratégia para evitar riscos à aprovação do projeto de lei de privatização dos Correios, o governo decidiu fechar os olhos e deixar passar na Câmara uma proposta que desmonta as regras que estabeleceram parâmetros máximos para os gastos de estatais com planos de saúde de seus empregados. O projeto de decreto legislativo ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor. Se aprovado, terá validade para todas as estatais.

Essas regras foram criadas no governo do ex-presidente Michel Temer e foram fundamentais para reverter uma trajetória de prejuízos bilionários dos próprios Correios, quando a empresa caminhava para se tornar uma estatal dependente – ou seja, que precisa de recursos do Orçamento para bancar salários e despesas correntes.

Leia também

De autoria de uma deputada da oposição, Erika Kokay (PT-DF), e relatado por Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da bancada evangélica, o projeto de decreto legislativo teve ampla maioria na Câmara. Foram 365 votos favoráveis e somente 39 contrários, em votação realizada na semana passada – um apoio tão expressivo que seria suficiente até para aprovação de uma emenda à Constituição.

Voltado aos funcionários dos Correios, o Postal Saúde foi apresentado como símbolo de excesso na revisão de 2018. Foto: Andre Dusek/Estadão

Técnicos do governo tentaram articular uma reação ao texto e fizeram chegar aos parlamentares um documento, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, com indicadores e dados em defesa da manutenção da resolução anterior. A reportagem apurou, no entanto, que a operação foi abortada quando o governo identificou que um movimento contrário ao projeto poderia comprometer o apoio na Câmara à privatização dos Correios – cuja votação está prevista para agosto.

Nos bastidores, o projeto de decreto legislativo foi comparado aos “jabutis” – emendas estranhas ao projeto original – da medida provisória da Eletrobrás, que o governo aceitou “engolir” em troca da aprovação do texto, e que custarão R$ 84 bilhões aos consumidores. Procurado, o Ministério da Economia não comentou.

Despesas

Continua após a publicidade

Editada em janeiro de 2018, a resolução estabeleceu prazo de quatro anos para que os planos se adaptem às regras. Se não for cumprida, os administradores das estatais (conselheiros e diretores) podem ser responsabilizados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), especialmente aqueles que não fizeram nada ou muito pouco para enquadrar os planos aos termos da resolução. É por isso, também, que alguns executivos trabalharam, nos bastidores, pela aprovação do projeto que a suspende, segundo apurou a reportagem.

Antes da edição da resolução, era comum que estatais bancassem mais de 90% dos custos dos planos de saúde dos empregados, sem qualquer coparticipação. Várias empresas aceitavam que os funcionários incluíssem como dependentes pais, mães e filhos sem qualquer limite de idade.

O Postal Saúde, dos funcionários dos Correios, era um dos maiores exemplos do que o governo considerava, à época, um abuso. A empresa pagava quase 94,4% do benefício até 2017, enquanto os empregados custeavam apenas 5,6% dos gastos. Não havia cobrança de mensalidade, e os empregados podiam incluir como dependentes até mesmo seus pais. Com esses benefícios, os Correios estimavam um déficit em seu balanço da ordem de R$ 3,92 bilhões – valor relacionado a despesas futuras para financiar o plano após a aposentadoria dos empregados.

Em 2018, as regras dos planos de saúde das estatais foram revistas. Entre as novas normas, ficou estabelecido que as empresas deveriam custear no máximo 50% dos gastos. Além disso, o custo com os planos foi limitado a 8% do custo da folha anual dos empregados. A inclusão dos dependentes foi limitada a cônjuges e filhos com até 24 anos – desde que estivesse cursando o ensino superior.

Com as mudanças, o passivo atuarial dos Correios com planos de saúde, que chegou a ser de R$ 5,92 bilhões em 2015, foi reduzido a R$ 3,92 bilhões, em 2018, e a R$ 270 milhões, em 2020.

Erika Kokay disse que o texto restabelece a capacidade de negociação entre empregados e estatais. “Os planos de saúde não podem ser açoitados, como agora estão sendo açoitados os empregados e empregadas, os servidores e servidoras que têm planos de autogestão.”

Apoio maciço

Continua após a publicidade

A sessão na Câmara que derrubou o limite de gastos com planos de saúde durou 16 minutos. A maioria dos partidos da base do governo (PL, PP, PSD, Republicanos, PROS, PTB, Avante, Patriota e PSC) orientou seus deputados a votarem a favor do projeto de autoria da oposição – que o apoiou em peso (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede). PSDB, MDB, DEM, Podemos e Cidadania também recomendaram o “sim”. Só o Novo se manifestou contra o texto.

Já o PSL, que tem vários deputados bolsonaristas entre seus membros, liberou a bancada para votar como quisesse – enquanto Bia Kicis (DF) e Carlos Jordy (RJ) apoiaram o texto, Carla Zambelli (SP) e Eduardo Bolsonaro (SP) votaram “não”. Solidariedade e PV não orientaram. O governo orientou o voto “não”, mas foi praticamente ignorado.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.