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O consultor econômico Raul Velloso escreve mensalmente

Opinião|Para retomar os investimentos públicos é preciso reverter a falta de verba dos governos

A saída é atacar de frente o item que mais tem crescido nos orçamentos públicos nos últimos anos: os gastos em previdência nas várias esferas

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Atualização:

Nada como o acirramento da atual crise político-pandêmica-econômica, que pode inclusive abalar as bases da atual administração do País, para nos levar a rever o principal problema econômico que nos vem afligindo há bastante tempo, e buscarmos seu equacionamento, de forma a termos pelo menos uma das dimensões da atual e gigantesca crise resolvida. Causa angústia ver como, acompanhando a derrocada dos investimentos públicos, ponto focal da crise, a taxa de crescimento do PIB tenha desabado tanto, e pouco se tenha discutido de forma consistente como reverter a falta de espaço financeiro para investir nos governos. Só assim poderemos retomar o crescimento dos empregos à medida que a pandemia se dissipe.

É preciso mostrar que, como no Brasil é muito difícil substituir o investimento público pelo privado, que sofre perseguição de todos os lados, a saída é atacar de frente o item que mais tem crescido nos orçamentos públicos nos últimos anos, ou seja, os gastos em previdência nas várias instâncias, enquanto melhora o ambiente para o privado. Como esse tipo de gasto é sagrado, a receita de sempre é pagar a conta adicional, aprovar alguma medida periférica de ajuste ou de efeitos muito demorados, como uma reforma padrão de regras, e rezar para que funcionem.

A saída básica é atacar frontalmente o problema previdenciário. Foto: Werther Santana/Estadão

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Só consegui levantar dados para 2006-17, mas, mesmo considerando somente esse período, constatei que, descontando a inflação, e fazendo base em 2006, o gasto da previdência no conjunto dos Estados cresceu 93% acima da inflação; no INSS, 80%; na previdência própria da União, 46%; enquanto o PIB real crescia apenas 23%. E todos os estudos atuariais que tenho visto mostram uma forte tendência à deterioração nos anos à frente, algo que, de fato, está acontecendo. Ou seja, sem fazer nada, não haveria como ter espaço para investir e fazer o PIB crescer, algo obviamente insustentável para um país com as carências do nosso.

Concentrando nas previdências próprias, a saída básica, então, é atacar frontalmente o problema previdenciário, buscando equacioná-lo, de forma a abrir espaço para os investimentos se expandirem e a economia brasileira entrar em um círculo virtuoso.

No tocante ao ajuste previdenciário, são três as linhas gerais de atuação das políticas a serem seguidas na área. A primeira é a aprovação de uma reforma de regras para valer, algo mais profundo do que se fez em 2019. A segunda é o aporte e monetização de ativos e recebíveis em geral em fundos criados para fechar a conta do financiamento dos fluxos de déficits previdenciários, durante a vida útil do regime em causa. E, por último, a busca de maior retorno nas aplicações financeiras da própria entidade. Numa palavra, trata-se de zerar o desequilíbrio do regime previdenciário acaso existente ao longo de “x” anos, ou seja, em que, dados os fluxos futuros de despesas conforme as regras existentes, novas receitas ocorram tanto de uma vez só, como no caso do aporte de imóveis, como ao longo de um período rumo ao futuro, como no caso de ativos financeiros, sem importar quão longo esse seja, pois “securitizações” ou antecipações de seu recebimento via operações de mercado são sempre possíveis.

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O grande drama, aqui, é que há atores importantes nesse processo que se mostram, ainda que de forma velada, fortemente contrários à estratégia de aportar ativos, algo que, obviamente, diante da elevada dimensão do problema, dificulta consideravelmente a sua solução. Tais atores preferem que o ente público com o problema a resolver simplesmente calcule e aplique uma contribuição extraordinária de grande monta que zere o passivo atuarial, mas que tenha origem nas próprias contas tradicionais dele mesmo, por mais exauridas que estejam. E que se dane o seu gestor para dar conta das várias missões que seu ente normalmente terá. Isso simplifica muito o processo, mas impõe um ônus normalmente insustentável para os seus administradores. Ou seja, temos de atacar o problema básico por todos os lados possíveis, sem o que o País não mais crescerá.

*CONSULTOR ECONÔMICO

Opinião por Raul Velloso
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