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‘Esse é o momento de sobrevivermos à crise’, diz presidente do Itaú Unibanco

Candido Bracher participou de entrevista ao vivo no ‘Estadão’ e afirmou que inevitavelmente a economia brasileira vai ter uma forte retração em 2020, por causa da novo coronavírus

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e Monica Scaramuzzo
Atualização:

O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, em entrevista ao vivo ao Estadão, afirmou nesta quinta-feira, 2, que o Brasil não vai conseguir fugir de uma forte crise econômica e de uma acentuada queda no PIB em 2020, na esteira da pandemia do novo coronavírus. Segundo ele, ainda é muito cedo para entender como será a retomada. No momento, a prioridade deve ser a saúde. “Esse é o momento de sobrevivermos à crise.” Bracher disse ainda que a quarentena é “dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais”.

O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher Foto: Iara Morselli

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Segundo o executivo, o mundo tem dificuldades para lidar com a crise por sua origem em um fator de saúde pública – e não no mercado financeiro, como ocorreu em 2008. Para ele, os bancos podem ter um papel fundamental na retomada da economia: “É preciso irrigar a economia através de diversos canais, fazendo a liquidez chegar e permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar. Isso coloca responsabilidade enorme nos bancos.” 

O sacrifício econômico, de qualquer forma, será forte, de acordo com o presidente do Itaú Unibanco, maior banco privado do País. Ele acredita que a retração do Produto Interno Bruto (PIB) este ano irá muito além da queda de cerca de 1% atualmente prevista pelo economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita. “Peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas tenho impressão que vai cair bem mais. Acho inevitável.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a crise do coronavírus? O que difere esta crise de outras que já passamos?

Vejo a crise com grande preocupação. Esta é uma crise cuja duração e intensidade ainda são ignorados por todos. Depende de fatores médicos e econômicos. O que difere esta crise de outras crises é que a maior parte da crise que vivemos – de 2008, asiática e russa – foram financeiras. Essa é uma crise de produção. Ela tem origem em um vírus, na saúde pública, e interrompe a produção em diversos setores globalmente, ao mesmo tempo.  Se na crise de 2008 o sistema financeiro era o problema, nesta (o sistema financeiro) é parte importante da solução. O sistema financeiro é necessário para que a economia não estanque. É preciso irrigar a economia através de seus diversos canais, fazendo a liquidez chegar e permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar. Isso coloca responsabilidade enorme nos bancos. 

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Os bancos brasileiros estão preparados para agir nesta crise? 

Como nunca estiveram. Uma parte fundamental são os recursos tecnológicos. Se não houvesse a quantidade de clientes digitalizados e recursos que os bancos têm hoje, seria impossível atender ao público. Depois da crise de 2008, houve no mundo inteiro, e o Brasil não foi exceção, um movimento de exigir maior capitalização dos bancos. As exigências de capital que os reguladores impuseram aumentaram muito, fazendo com que os bancos estivessem mais bem preparados para esta crise. 

Como os bancos podem ajudar?

Injetando liquidez na economia. Num primeiro momento, existe uma demanda de liquidez muito grande. Um colega meu de banco comparou isso ao álcool gel. As empresas entraram no banco pedindo liquidez, assim como as pessoas entraram nos supermercados em busca de álcool gel. Houve uma demanda muito grande difícil de atender. O Banco Central agiu muito rapidamente, através de liberação de compulsório e outras medidas para restaurar a liquidez ao mercado. Além da liquidez, é necessário crédito. Primeiro passo, é conceder crédito a quem já tem crédito. Na abertura da crise, as dívidas foram roladas para 60 dias. Nós, do Itaú, já fizemos mais de 150 mil dessas renovações. No segundo momento, tem o crédito adicional. As condições se deterioraram. O risco de crédito se elevou muito. É fundamental os bancos se manterem saudáveis em momentos de crise. Neste momento, sugerimos ao governo medidas fiscais, contracíclicas. O Banco Central foi rápido nisso. A ideia da MP é financiar 100% da folha de pagamento das pequenas empresas, com seis meses de carência e depois 30 meses para pagar na taxa 3,75%. Bancos vão arcar com 15% do risco de crédito e o governo 85%.

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Há uma discussão entre governo federal, governadores e prefeituras sobre isolamento. Como o sr. vê esta questão?

Esta é uma pergunta para médicos e infectologistas. Nesta questão, me oriento pelos especialistas. Todas as leituras que tenho feito apontam que não há alternativa razoável fora da quarentena horizontal (com toda a população ficando o máximo de tempo possível em casa). Ela é dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais. É imprescindível fazer isso neste momento. 

O Brasil tem muita gente que vive em favelas, fora de todos os cadastros oficiais. Os bancos terão o papel de fazer o dinheiro chegar a quem mais precisa? 

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Temos de nos empenhar ao máximo para fazer o dinheiro chegar a essas pessoas, aos que são bancarizados, aos que não são, abrindo contas-pagamento, e aos autônomos, através das maquininhas. O sistema financeiro tem capilaridade suficiente para isso. É o serviço que os bancos podem prestar.

Muitos empreendedores, sobretudo os micro e pequenos, estão desesperados por causa da crise e dizem que os recursos dos bancos não chegam na ponta e que bancos estão cobrando altas taxas de juros. Está ocorrendo isso?

As nossas taxas de juros para pessoas físicas e micro e pequenas empresas estão em linha aos que eram praticadas antes. Houve um momento de elevação para as grandes empresas. Nas grandes empresas, a dinâmica é completamente diferente, a taxa é decidida caso a caso. Nos últimos anos, as grandes empresas se serviram do mercado de capitais diretamente. Agora o mercado de capitais fechou completamente. Então, as empresas recorreram aos bancos. 

Algumas empresas estão se mobilizando para ajudar o governo e comprando equipamentos e produtos. Como está o Itaú neste processo?

Eu tenho achado uma beleza ver a motivação e a movimentação de toda a sociedade, uma rede de solidariedade muito grande. Logo no primeiro momento, anunciamos uma doação de R$ 150 milhões, pelos nossos institutos, destinada à compra de equipamentos médicos e atendimento a comunidades carentes. Com Bradesco e Santander, fizemos a importação de 5 milhões de testes da China, e para isso contamos com a ajuda da mineradora Vale, que nos ajudou na logística. Agora estamos com um programa de R$ 50 milhões de compra de máscaras de microempresas. Os recursos não são o maior problema, mas é difícil saber como aplicar esses recursos. Tentamos comprar respiradores, mas foi impossível. E agora estamos dando uma fiança para duas pequenas empresas brasileiras, que estão se propondo a produzir 6,5 mil respiradores.

Algumas empresas já anunciaram demissões. Como o banco vai se comportar?

Tenho de admitir que somos uma empresa privilegiada. Como presidente do banco, tive a possibilidade de garantir a manutenção do emprego pela duração da crise. Antecipamos o 13º salário, pois pode haver despesas excepcionais neste período de crise. Mesmo assim, tenho preocupação muito grande com os funcionários que têm de atender ao público. O maior problema é nas agências, pois uma parte do público não é digitalizado e precisa das agências. Hoje nós começamos a entrega de máscaras e na quarta-feira 100% dos funcionários já terão recebido máscaras. Estamos estudando um escudo de acrílico. Tudo para garantir a segurança.

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Como o sr. vê o cenário da economia pós-pandemia. Dá para prever o impacto disso?

Ninguém pode dizer isso com segurança, depende da duração da crise. E isso depende de fatores médicos. É uma relação entre a quantidade de espaço nos hospitais e a quantidade de doentes, o que vai determinar quanto tempo deve durar a quarentena vertical. Isso não está claro para mim, e acho que não está claro para ninguém. E a intensidade depende de quanto de política fiscal contracíclica poderá ser feito. O governo está disposto. Mas a disposição é uma coisa. Capacidade de fazer medidas chegarem à ponta é outra. A última previsão de nossa área econômica era de que o PIB cairia um pouco menos de 1% este ano. Eu peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas eu tenho impressão que vai cair bem mais. Acho inevitável que caia mais. Se você pensar, em 2015 e 2016, caiu 3,5% cada ano a partir de mazelas que nós mesmos havíamos criado. 

E como superar isso?

Alguém outro dia falou (Guilherme Benchimol, da XP) sobre o Plano Marshall, usado na recuperação da Europa após a Segunda Guerra, o que envolve políticas contracíclicas e crédito. Se isso acontecer, a recuperação pode ser intensa na hora em que ela surgir. Mas ainda demora.

Durante os últimos anos, a receita econômica era de corte de custos. É preciso entender que o cenário mudou – e que isso tem de ficar para trás agora?

Sem dúvida. Até outro dia eu me lembrei de uma frase do Keynes: quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. Os fatos mudaram radicalmente e precisamos mudar de opinião. Não é o momento de pensar em austeridade fiscal, mas em uso eficiente dos recursos públicos para atenuar os efeitos da crise.

Quanto à retomada da demanda, às vezes as pessoas que defendem a abertura do comércio, parece que a demanda vai voltar de uma vez. É preciso pensar setor por setor?

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Eu me lembro da crise do apagão, em 2000. A gente demorou para retomar nossos antigos hábitos de consumo de energia. Eu passei anos na minha casa sem acender a quantidade de lâmpadas de antes. As pessoas adquirem novos hábitos durante a crise. A retomada do consumo se dá paulatinamente, e não subitamente, de maneira intensa. E eu vou entrar no terreno médico. É preciso ver com que velocidade você pode reativar o contato entre as pessoas. Os países que já passaram pela crise, como a China, estão saindo devagarzinho, não estão fazendo jogo de futebol com 50 mil pessoas, em um estádio.

Ou seja: quando passar esse período mais crítico, a retomada será lenta.

Eu acho que ela poderá ser rápida, pois viremos de uma paralisação quase total. Vai ser a primavera chegando depois do inverno. Mas tem de ser feita gradativamente, dependendo do setor.

Alguns governos já começaram a imprimir dinheiro, como a Argentina. Essa pode ser uma saída para os governos gerarem liquidez na crise?

É uma decisão de Estado. O Estado tem a necessidade imperativa de injetar recursos na economia. Tem basicamente dois caminhos para isso: aumentando a dívida pública e imprimindo dinheiro. O dinheiro é uma forma de dívida pública, só que ela paga juros zero. Isso entra no domínio da teoria econômica, e tenho visto discussões profundas sobre isso. Eu tenho visto gente seríssima defendendo que dá para imprimir dinheiro porque não tem o menor risco de inflação neste momento. Eu confesso que, aqui, que entro numa seara além do meu conhecimento. Eu não sei opinião se há um momento em que se pode emitir dinheiro em vez de emitir dívida pública.

O que a gente aprende com essa crise do coronavírus? Algo sairá de bom dela?

A gente sempre pode aprender algo de bom nas crises. Mas a gente só aprende alguma coisa de bom se a gente sobrevive à crise. É o momento de sobreviver à crise. E aqui eu acho importante que, na crise, haja esse sentimento de solidariedade, que estamos na mesma trincheira dos diversos agentes econômicos – e é algo que eu tenho visto acontecer. Eu tenho tido uma cooperação muito intensa com os nossos principais concorrentes. Esse sentimento de alinhamento, de nos sentirmos todos responsáveis, poderá nos servir muito depois que a crise tiver passado.

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