Parcelamento das correções de salários cresce em contexto de economia fraca

Movimento tem ganhado força desde março, quando 11,3% dos reajustes foram quitados em duas ou três vezes; pico foi atingido em novembro, quando parcelamentos alcançaram 26,1% das negociações

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Márcia De Chiara
3 min de leitura

A perda de poder de barganha dos trabalhadores nas negociações durante o ano passado se refletiu não apenas no avanço da parcela de reajustes abaixo da inflação, mas também no forte aumento nas correções de salários pagas de forma parcelada, em duas ou três vezes, pelos patrões. 

Esse movimento veio ganhando força desde março, quando 11,3% dos reajustes eram quitados em várias vezes. A modalidade de pagamento cresceu a cada mês e atingiu o pico em novembro, quando respondeu por 26,1% das negociações fechadas. Em dezembro, recuou ligeiramente e ficou em 25%. Anteriormente, o pagamento parcelado dos reajustes salariais não chegava a representar 3% do total.

Leia também

Fechamento de bares e restaurantes dificultou a negociação de salários de trabalhadores do setor. Foto: Fernando Bizerra/EFE

Luís Ribeiro, técnico responsável pelo Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas do Dieese, diz que essa tendência foi impulsionada pelo aumento da inflação, pela pandemia e pela fraqueza da economia. “Para conseguir ao menos o INPC, os sindicatos tiveram de aceitar o parcelamento do reajuste.”

Foi exatamente o que ocorreu com os cerca de 160 mil trabalhadores de restaurantes, bares e hotéis da capital paulista e de 33 municípios vizinhos, reunidos no Sinthoresp, sindicato filiado à Força Sindical. Rubens Fernandes da Silva, secretário-geral do sindicato e responsável pelas negociações salariais desde 2004, conta que a do ano passado foi a mais difícil da qual participou.

Primeiro pelo tempo que levou para o acordo ser fechado. A data-base da categoria é 1.º de julho, e a negociação foi concluída em dezembro. Com o lockdown dos restaurantes no primeiro ano da pandemia, o sindicato viu que não seria possível negociar reajustes. Então, as negociações de 2021 concentraram dois anos de aumentos de salários.

Continua após a publicidade

Os trabalhadores pleitearam 12%, referentes à inflação acumulada em 2020 e 2021, e conseguiram. Mas a contrapartida foi o parcelamento da correção em três vezes: outubro, janeiro e março. “O reajuste de 2020 e 2021 foi totalmente diluído dentro de outro período, e o INPC continua pressionado. Vamos ter de negociar em meados deste ano”, explica. 

Na análise da pesquisadora da consultoria IDados, Mariana Leite, o parcelamento dos reajustes, a inflação alta e o contingente de desempregados voltando ao mercado e disposto a ganhar menos enfraquecem o poder de barganha de quem está empregado. “Os ocupados estão competindo com os desocupados que aceitam ganhar menos.” O impacto desse movimento na macroeconomia é menor consumo e menor crescimento da economia, já que o consumo das famílias responde por cerca de dois terços do PIB.

Setores

Os obstáculos enfrentados pelos trabalhadores de restaurantes, bares e hotéis, por exemplo, ilustra as dificuldades nas negociações do setor de serviços. Esse foi o setor que mais sofreu com a pandemia por causa da paralisação das atividades e teve o pior desempenho nos reajustes. Em 2021, 60,4% das negociações dos serviços tiveram aumentos abaixo da inflação.

Um resultado que surpreendeu Ribeiro foi uma certa melhora que houve para os trabalhadores em geral nas negociações do segundo semestre. Em novembro, por exemplo, 62% dos reajustes conseguiram repor o INPC acumulado em 12 meses, de a 11,08%. 

Ele atribui essa conquista ao fato de o segundo semestre concentrar a data-base de categorias de peso, mais estruturadas, como metalúrgicos, bancários, petroleiros. E essas categorias oferecem maior resistência nas negociações.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.