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Parcerias estratégicas

Por Marcelo de Paiva Abreu
Atualização:

Na recente cúpula Brasil-União Européia, a União Européia anunciou que o Brasil será seu "parceiro estratégico", juntando-se aos Estados Unidos, ao Canadá, ao Japão, à Rússia, à China, à Índia e à África do Sul. É um reconhecimento tardio do Brasil como "ator essencial", já evidente nas negociações comerciais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e nas reuniões expandidas do G-8. O anúncio foi feito por Durão Barroso, português que é presidente da Comissão Européia, no início da presidência do Conselho Europeu pelo primeiro-ministro José Sócrates, de Portugal. É importante analisar as dificuldades associadas a esta aproximação entre Bruxelas e Brasília, para avaliar se boas intenções podem ser transformadas em resultados substantivos. Pelo menos três níveis de análise são relevantes na avaliação da parceria estratégica proposta: papel crucial das negociações comerciais entre Mercosul e União Européia; suas implicações sobre as relações bilaterais do Brasil com os integrantes da União Européia; suas implicações sobre as relações bilaterais do Brasil com os países latino-americanos. A primeira constatação, óbvia, é que o sucesso que poderia decorrer de uma parceria estratégica entre o Brasil e a União Européia relevante depende, em grande medida, da conclusão das negociações comerciais entre a União Européia e o Mercosul, que se arrastam desde 1999 e estão agora encalhadas. Entre as diversas parcerias estratégicas da União Européia, o caso do Brasil é especialmente complexo, pois as negociações comerciais são realizadas entre "mercados comuns", com a inclusão de parceiros no Mercosul com os quais Bruxelas não tem parcerias estratégicas. No Nafta, embora a União Européia tenha parcerias estratégicas com os Estados Unidos e o Canadá, há um tratado de livre-comércio entre México e União Européia desde 2000. E, na África austral, a posição dominante da África do Sul, na Southern African Development Community e na Southern African Customs Union, contribuiu para minimizar as resistências ao acordo de livre-comércio assinado entre a África do Sul e a União Européia, em 1999. Embora os seculares laços luso-brasileiros expliquem a forma de lançamento da parceria estratégica, não deve haver dúvida quanto ao formato ideal de interação entre Brasília e Bruxelas. Embora seja compreensível que países com longa tradição colonial procurem transformar antigos vínculos em vantagens comerciais, financeiras e políticas, é essencial constatar a óbvia disparidade de relevância econômica entre colônias e metrópoles do passado, especialmente no caso luso-brasileiro. E há complicações espanholas a levar em conta. Pode ser detectado renovado interesse espanhol no Brasil, com o conseqüente enfraquecimento da influência portuguesa. Detecta-se reavaliação da distribuição de investimentos espanhóis na América Latina, com a retração das posições em países de maior risco, em especial na Argentina, mas também na Bolívia e na Venezuela, e aumento de interesse por investimentos mais prudentes no Brasil, no Chile e no México. De outro lado, a "depressão portuguesa" estimula comentários provocadores, tais como a "brincadeira" de José Saramago, no Diário de Notícias de Lisboa, sobre uma possível união política entre Espanha e Portugal: "Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galícia e teríamos Portugal..." A baboseira foi repercutida meio malandramente pelo jornal espanhol El País, (22/7), com a reprodução de comentários sarcásticos sobre a "desmemória" lusa. A matéria não inclui nenhum comentário sobre a longa e atribulada história das relações entre Madri e as regiões que têm marcado tão profundamente o cenário político espanhol. Nem sobre a diluição dos separatismos regionais como um dos corolários importantes do sucesso da União Européia. Não é preciso gastar tempo lembrando as glórias lusas em Aljubarrota ou Montes Claros, que fizeram Portugal nação independente, ou contrastá-las com as agruras da Catalunha derrotada em seus anseios separatistas, para concluir que o assunto pode, no máximo, vender mais livros ou jornais. Os governos lusos podem ter cometido muitos erros, mas a maioria dos portugueses preferiu, e provavelmente ainda prefere, que tenham tido, ou tenham, origem em Lisboa. Também há alguma ironia no fato de que venham de Madri comentários sobre falta de memória, quando os fantasmas da guerra civil persistem como reflexo da longa amnésia política que acometeu o país depois de 1939. Não obstante o recente aumento da importância dos fluxos de capitais espanhóis, as relações substantivas do Brasil com a União Européia deveriam privilegiar as economias européias com maior influência em Bruxelas: certamente o eixo Berlim-Paris, os recalcitrantes britânicos e os deprimidos italianos e, depois, a Espanha. Com Portugal guardando o seu nicho lingüístico e cultural. Finalmente, deve ser levada em conta a reação de outros países latino-americanos à aproximação entre o Brasil e a União Européia. Deixando de lado possíveis manifestações paranóicas dos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia, e alguma dificuldade menor com os mexicanos, os problemas concentram-se em Buenos Aires. O possível, talvez provável, ressentimento argentino pode tornar ainda mais complexas as negociações comerciais entre o Mercosul e a União Européia. Cabe à diplomacia brasileira aparar tais arestas.

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