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Parcerias com a iniciativa privada transformam o setor público no País

Um estudo patrocinado pela Comunitas e pela Enap mostra que, nos últimos dez anos, foram firmados 5.169 contratos do gênero nas três instâncias de governo, envolvendo diferentes áreas da administração

Foto do author José Fucs
Por José Fucs
Atualização:

Nos últimos anos, uma transformação silenciosa, mas significativa, está chacoalhando o setor público brasileiro, conhecido pela resistência que oferece a tudo o que possa colocar em risco o status quo.

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Puxada pela multiplicação das parcerias firmadas com a iniciativa privada e as organizações sociais, a mudança em curso está redesenhando o modelo tradicional de gestão adotado na prestação de serviços públicos, com o objetivo de melhorar os resultados entregues à população, em linha com o que ocorreu em outros países, como Inglaterra, Estados Unidos, Irlanda e Chile.

Embora as oportunidades abertas pelas parcerias ainda sejam relativamente desconhecidas do público e até de muitos governantes no Brasil, especialmente fora da área de infraestrutura, cuja visibilidade é maior, o novo modelo vem ganhando tração e conquistando trincheiras importantes em diferentes áreas da administração – de parques nacionais e urbanos a escolas e creches; de hospitais e prisões a redes de dados e programas regionais de desenvolvimento.

Escola pública do Piauí ligada à web pela parceria firmada pelo Estado com a iniciativa privada. Foto: Governo do Piauí

Segundo um estudo pioneiro sobre o tema, ao qual o Estadão teve acesso em primeira mão, já foram implementadas nada menos que 5.169 parcerias do gênero na esfera da União, nas 27 unidades da Federação (Estados e Distrito Federal) e nas prefeituras das capitais. Intitulado

, o estudo compilou as parcerias implementadas nos últimos dez anos, com duração mínima de dois anos, e as organizou por região geográfica, modalidade de contrato e ramos de atividade. 

Resultados

Além disso, a pesquisa analisou os resultados alcançados e os pontos fortes e fracos de cinco projetos, um em cada região: o Programa BioPará, destinado à criação e ao fortalecimento dos bionegócios; o Piauí Conectado, voltado para a instalação, operação e manutenção de uma rede pública de fibra ótica; o Serviço de Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos de Campo Grande (MS); o Resíduos Sólidos Urbanos da Região e do Colar Metropolitano de Belo Horizonte (MG), que não chegou a ser executado; e o Relógios Eletrônicos Digitais, cujo objetivo é a instalação, operação e manutenção dos equipamentos, em Porto Alegre (RS). Ficaram fora do levantamento os contratos celebrados na área de infraestrutura, já bem estudada, as parcerias que não envolviam a gestão, as terceirizações de atividades-meio, como vigilância e limpeza, os convênios de governo e os projetos de execução de atividades. 

Produzido pela Comunitas, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve parcerias entre os setores público e privado, e pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública), ligada ao governo federal, o estudo será apresentado nesta quinta-feira, 7, às 17h, no 14º Encontro de Líderes, que terá a participação de empresários, autoridades e pesquisadores e transmissão ao vivo pelo YouTube

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De acordo com Regina Esteves, presidente da Comunitas, a pesquisa deverá ser atualizada e aprofundada anualmente, incorporando informações sobre os custos e os resultados dos programas, que não foram incluídas nesta primeira edição, exceto nos casos destacados pelos pesquisadores.

“Esse mapa é uma grande enciclopédia para os gestores públicos brasileiros buscarem alternativas e soluções para gerenciamento de serviços”, diz o cientista político e consultor Fernando Schüler, que respondeu pela coordenação acadêmica da pesquisa, ao lado do engenheiro e administrador Sandro Cabral, ambos professores do Insper, uma escola de negócios de São Paulo. “Com a legislação criada nos últimos 25 anos, a contratualização se tornou uma realidade no Brasil.”

Na visão de Schüler, mais do que o número de parcerias, o que o surpreendeu na pesquisa foi a diversidade das experiências. Outro ponto que chamou a atenção foi a criatividade dos gestores para cruzar as diferentes legislações, com a intenção de viabilizar modelos híbridos de parcerias. Ele cita dois exemplos para ilustrar o que diz. Um é o Hospital do Subúrbio, em Salvador. Construído e controlado pelo governo baiano, o hospital é administrado pela iniciativa privada, com funcionários e médicos contratados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas presta atendimento gratuito, pelo SUS (Sistema Único de Saúde)

O segundo caso é uma parceria na área de educação infantil feita pela prefeitura de Belo Horizonte, na qual a empresa contratada ficou responsável pela construção e pela gestão de 46 Unidades Municipais de Ensino Infantil (UMEIs) e cinco Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs), enquanto o município manteve o controle da área pedagógica. “Eu entrevistei a diretora lá, que é funcionária pública, e ela disse que se sente muito confortável, porque pede as coisas e elas acontecem”, afirma Schüler.

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Ele diz que, na área educacional, as parcerias entre o setor público e o privado poderiam ter se desenvolvido muito mais no País, mas isso não aconteceu, porque as legislações são mais restritivas, devido à força do que chama de “lobby do estatismo educacional”. “O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, permitiu a realização de parcerias no nível da pré-escola, mas por uma razão metafísica, de difícil compreensão, proibiu a sua adoção a partir do ensino fundamental.”

Para Schüler, a pesquisa mostrou também que o “preconceito” existente em certos setores da sociedade em relação à atuação de gestores com fins lucrativos nas áreas de educação e de saúde, está deixando de existir. Um caso emblemático, segundo ele, é o do próprio Hospital do Subúrbio. “Quando o setor privado assume a gestão, tende a ser muito mais profissionalizado do que o terceiro setor”, afirma. “O problema é que ele costuma demandar escala, enquanto as organizações sociais geralmente atendem mais os projetos menores, como uma creche.”

Vantagens

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Entre as principais vantagens do novo modelo de gestão, Regina, da Comunitas, ressalta a geração de métricas de resultado, que permitirão uma comparação objetiva com o modelo tradicional e vão irradiar eficiência para todo o sistema. Ela conta que, nos Estados Unidos, as chamadas charter schools – que são custeadas pelo governo, mas administradas pelo setor privado, e têm de prestar contas dos resultados – representam apenas 7% de toda a rede escolar americana. No entanto, por produzirem uma métrica que permite a comparação com as escolas gerenciadas pelo setor público, “criam impacto em tudo o que está em volta”. “O serviço público precisa ter concorrência de resultado. Quando a gente tem um serviço único, o cidadão não pode eleger o serviço que vai receber.”

Schüler menciona também como ponto positivo do novo modelo a maior agilidade na gestão, inclusive na área de pessoal, por não haver estabilidade dos funcionários no emprego. Ele recorre ao caso dos professores da rede estadual de São Paulo, que faltam, em média, 36 dias por ano em 200 dias letivos, segundo o Tribunal de Contas do Estado, sem que o poder público possa fazer muita coisa contra os faltantes, para reforçar o seu ponto. “Isso no setor privado é impensável. Gera um custo enorme para o sistema e um déficit de qualidade na ponta”, diz.

Em sua avaliação, porém, vários fatores podem dificultar um avanço mais acelerado das parcerias no País, como “a tal da lei da inércia”, a descontinuidade dos programas, o desconhecimento sobre como estruturar a parceria do ponto de vista legal e o prazo dos contratos, que é de até cinco anos nos chamados “termos de colaboração e de fomento”, ainda que renováveis, enquanto nas concessões e parcerias público-privadas (PPPs) chega a 35 anos. 

Leia a íntegra do "Mapa de Contratualização de Serviços Públicos no Brasil"

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