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Parente, Guardia, Mansueto: a solução de ex-integrantes da Fazenda para o 'meteoro' dos precatórios

Ex-ministros e ex-secretários do Tesouro ouvidos pelo ‘Estadão’ convergem ao desaprovar o uso de uma emenda à Constituição para parcelar em até dez anos dívidas já definidas pela Justiça; a PEC foi apresentada pelo governo como melhor solução

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - Pedro Parente, Eduardo Guardia, Mansueto Almeida, Amaury Bier e Carlos Kawall. Um time de "pesos pesados" composto por ex-integrantes de equipes econômicas de governos anteriores defendem a retirada parcial ou integral dos precatórios (dívidas judiciais que a União é obrigada a quitar) do teto de gastos para evitar a moratória e o aumento da insegurança jurídica. 

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Para eles, há riscos no parcelamento em até dez anos dos precatórios incluído numa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) enviada pelo governo ao Congresso, que enfrenta resistências e tem gerado turbulências no mercado.

A PEC foi a solução encontrada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, depois que o Judiciário apresentou uma despesa de R$ 89 bilhões com pagamento dessas sentenças judiciais em 2022 – gasto que o governo afirma que não tem como acomodar no Orçamento sem comprometer as políticas públicas.

Entre as soluções consideradas possíveis, está retirar do alcance do teto (a regra que limita o avanço das despesas à inflação e é hoje a âncora do governo para indicar sustentabilidade das contas) apenas o “excesso” de crescimento das dívidas judiciais, isto é, os cerca R$ 30 bilhões de aumento acima do previsto para 2022, mantendo uma regra semelhante para anos seguintes. Outra opção é retirar toda a despesa com precatórios do teto e recalcular o limite desde a sua origem, em 2016.

PEC enviada pelo governo ao Congresso para parcelar os precatórios não tem consenso entre especialistas. Foto: Dida Sampaio/Estadão

“O precatório é uma dívida e ponto final. O parcelamento não resolve. A ideia de retroagir é boa”, diz Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento, da Casa Civil e ex-secretário Executivo do Ministério da Fazenda no governo FHC. Ele chama atenção que as despesas do governo são apuradas pelo regime de competência, com registro de lançamento na hora que o evento acontece. “Se o regime é de competência para as despesas, o parcelamento não muda nada. Tem que reconhecer a despesa imediatamente”, explica Parente, atual presidente do Conselho de Administração da BRF.Para ele, essa é uma solução de meio-termo que tira a “falsidade” de achar que o parcelamento não está furando o teto. “Está furando o teto da mesma maneira, tem que reconhecer pela despesa”.

Ex-ministro da Fazenda no governo Temer, Eduardo Guardia, considera que dada a magnitude do aumento de precatórios, a melhor solução é que essa despesa saia do teto. Segundo ele, ao retirar a despesa de precatório do teto o mesmo tem que ser reduzido. "O ideal seria pelo valor médio anual efetivamente pago de precatório nos últimos anos, sem considerar o crescimento esperado para 2022", diz. Segundo Guardia, quando o teto foi criado, a dívida de precatórios estava numa evolução compatível com o crescimento da despesa pública e se achava que fazia sentido que esse gasto ficasse dentro da regra. “O teto de gastos é um instrumento muito importante que criamos para conter as despesas correntes do governo para não sair aumentando salário, aumentando gasto de custeio”, ponderou.

Sócio da Gávea e ex-secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, diz que parcelamento é uma “pseudossolução” inapropriada para acomodar a surpresa da conta de R$ 89 bilhões.Na sua avaliação, não faz sentido do ponto de vista econômico a União pagar um pedaço dessa dívida e se endividar para parcelar o restante, ao invés de pagar 100% do débito e se endividar do mesmo jeito. “Para que fazer essa confusão?É só para dizer que estou aqui cumprindo o teto? Para quê?”. O agravante, diz Bier, é que o parcelamento pode piorar a percepção de risco em relação à solvência do País já que se trata de uma moratória com implicações na rolagem e custo da dívida mobiliária federal.

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Diretor do ASA Investments e ex-secretário do Tesouro no governo Lula, Carlos Kawall, também defendeu uma solução alternativa que não passasse pela criação do fundo de ativos para quitar os precatórios, previsto na PEC, e pelo parcelamento, mesmo que, excepcionalmente, houvesse algum espaço extra teto, “de preferência de forma temporária”.

Outro ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em artigo no Brazil Journal, recomendou uma solução negociada e não imposta com uma regra permanente como a PEC do governo. “Apesar da boa intenção do governo ao propor a criação de um fundo com a receita de privatizações e concessões para pagar precatórios que seriam parcelados, essa proposta tem contribuído muito mais para o aumento da incerteza e risco fiscal”, escreveu Mansueto, que hoje é economista-chefe do BTG.

Ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg, diz que a situação é de corner fiscal. “Aparentemente o Supremo está tentando, via CNJ, resolver a situação sem depender de uma PEC. Uma combinação disso com cortes de emendas parlamentares no Orçamento deveria permitir a manutenção da institucionalidade sem qualquer tipo de alteração da Constituição”, diz. Caso essa iniciativa fracasse, Goldberg diz preferir a alternativa em que a base de cálculodo teto seja recalculada a partir de 2016 para que os precatórios pagos naquele anosejam excluídos, evitando-se a moratória.

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De acordo com Tiago Pessoa, responsável pelas mesas de operações do banco Morgan Stanley para América Latina, do ponto de vista dos investidores, o parcelamento da dívida dos precatórios da forma como está sendo proposto em qualquer lugar do mundo é visto como uma moratória. “Cria uma percepção institucional, no ano de véspera de eleição, muito ruim para o mercado brasileiro”, diz. Para ele, esse é um gasto imprevisível e, desde lá atrás, talvez não devesse ter ficado dentro do teto. Entre as alternativas que estão na mesa, o economista considera que retirar do teto o que exceder 2,6% de receita corrente líquida é a menos pior na "escolha de Sofia" que tem de ser feita pelo governo.

Veja logo abaixo as opiniões de cada um dos especialistas consultados pelo 'Estadão':

Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento e da Casa Civil e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda. É atual presidente do Conselho de Administração da BRF. Foto: Marcelo Coelho - 16/9/2020

Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento e da Casa Civil e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda;  atual presidente do Conselho de Administração da BRF

Uma coisa que aprendi logo que cheguei ao Banco Central, quando comecei em 1973, é que o regime de contabilidade do setor público é misto: regime de competência para as despesas e de caixa para as receitas. Se o regime é de competência para as despesas, o parcelamento não muda nada. Tem que reconhecer a despesa imediatamente. A proposta de parcelar não deveria aliviar do ponto de vista técnico o problema do teto de gastos. É uma dívida e ponto final. O parcelamento não resolve. A proposta que exclui do teto, mas retroativamente, é adequada. Não é realista e não é tecnicamente correto deixar de reconhecer despesa integralmente no momento em que o precatório é reconhecido como de pagamento. Tem que entrar no Orçamento do ano seguinte. As turbulências têm várias razões, tem razões ligadas a uma percepção de dificuldade no manejo fiscal, na qual o governo está procurando uma solução que no meu modo de ver não resolve. E tem um grande componente nessa turbulência, que é de natureza política. É um agravamento, um esgarçamento muito grande de um crescente radicalismo e um chamamento a movimentos espúrios.

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Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda e atual sócio do BTG. Foto: Felipe Rau/Estadão - 13/9/2018

Eduardo Guardia, ex-ministro da Fazenda e atual sócio do BTG

Essa é uma despesa que cresceu enormemente. Quando fizemos o teto de gastos lá atrás, ela estava mais estável e de repente cresceude maneira muito acentuada e não tem escolha. É dívida e tem que ser paga. Ponto. O teto é um instrumento muito importante que criamos para conter as despesas correntes do governo para não sair aumentando salário, aumentando gasto de custeio. O precatório é uma obrigação do governo que já passou pela Justiça. Não cabe discutir o mérito do precatório porque ele já foi decidido pela Justiça. Colocamos o precatório dentro do teto, ele vinha numa evolução compatível com o crescimento da despesa pública e achamos que fazia sentido ficar dentro do teto. Não era algo que iria estourar o teto. Mas o que, no início, era algo de R$ 17 bilhões, agora foi para R$ 89 bilhões. É óbvio que o teto não consegue absorver e essa despesa precisa ser paga. A mesma coisa as despesas de juros. A taxa de juros saiu de 2% e vai para 8%, 10%. A despesa de juros vai subir e terá que ser paga do mesmo jeito. Dada a magnitude do aumento de precatórios, a melhor solução é que essa despesa saia do teto. Mas começar a tirar outras despesas correntes, Bolsa Família, aí não.

Amaury Bier, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda e atual sócio da Gávea Investimentos. Foto: Roerto Castro/Estadão - 8/2/2002
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Amaury Bier, ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda e atual sócio da Gávea Investimentos 

Essa PEC é uma pseudossolução. Não poderia frisar mais a impropriedade dessa solução porque acho que estamos lidando com uma questão de regra fiscal, de limite de teto, e se está partindo para fazer algo que conceitualmente é muito complicado. A decisão judicial que se transforma em precatório é uma dívida, já nasce uma dívida, uma obrigação do Estado. Não tem cabimento parcelar. A União tem a possibilidade de se endividar. Os Estados e municípios não têm essa faculdade. O que se está fazendo é o seguinte: uma moratória desses pagamentos em 10 anos. Tem uma situação de prejuízo para as contas públicas agregadas em função da contaminação do risco da precificação da rolagem da dívida mobiliária, federal, acho a solução é muito ruim. O ideal seria, embora eu reconheça a dificuldade, por isso a reação do ministro da Economia, acomodar essas surpresas de despesa reduzindo outras despesas, mas sabemos que está dificílimo porque o espaço para fazer isso e teria que mexer em coisas que são politicamente explosivas. Tem duas alternativas: retirar do teto, recalculando o limite do teto, se não vira uma farra, ou simplesmente neutralizar dizendo que o pedaço que exceder o que estava previsto acontecer em 2022, se tira do teto. A primeira é mais elegante e a segunda, melhor do ponto de vista da responsabilidade fiscal.

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual diretor do ASAInvestments. Foto: Hélvio Romero/Estadão - 13/10/2018

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual diretor do ASAInvestments 

Em artigo publicado há dois dias no Estadão/Broadcast, Kawall destaca o caráter inoportuno da PEC dos precatórios e da incerteza com ela criada quanto à trajetória fiscal e credibilidade do Tesouro. “Defendemos solução alternativa que não passasse pela criação do fundo de ativos e pelo parcelamento, mesmo que, excepcionalmente, houvesse algum espaço extra-teto, de preferência de forma temporária.Na semana que vem, o governo apresentará o orçamento de 2022 com a conta integral de R$ 89 bilhões de precatórios e o programa Bolsa Família provavelmente em R$ 35 bilhões, sem comportar, portanto, o aumento desejado para ao menos R$ 300. Vale conferir, então, qual o valor consignado para emendas parlamentares. Aí teremos uma base objetiva para entender se o orçamento é inexequível ou se há, na verdade, um trade off entre aumento do Bolsa Família e o interesse dos parlamentares em manter as emendas em nível historicamente elevadíssimo. Somente a partir daí poderá ser mais bem avaliado se necessitamos realmente de uma solução constitucional para o problema. Que, na nossa visão, necessariamente deve evitar o parcelamento e a criação do fundo de ativos, de um lado, e a abertura artificial de mais espaço fiscal para gasto, de outro."

Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG. Foto: Dida Sampaio/Estadão - 19/11/2020

Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do BTG

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Em artigo para o Brazil Journal, Mansueto diz que, nos últimos meses, todos os números de atividade, dados fiscais melhoraram e questiona por que os preços dos ativos estão desconectados com essa realidade. “Em pouco mais de duas semanas, um debate legítimo sobre como conciliar o pagamento de sentenças judiciais com o teto de gastos se transformou em um receio por parte do mercado de que o governo utilizaria esse episódio para quebrar o teto de gastos para abrir espaço fiscal para aumentar em 100% ou mais o Bolsa Família, um aumento que não é compatível com as regras fiscais e com o espaço fiscal projetado para o próximo ano. O que o governo e sua classe política devem fazer para sairmos dessa situação dos ativos brasileiros derretendo nas últimas semanas? Duas coisas: Primeiro, o governo precisa definir logo o valor do Bolsa Família. Segundo, precisa encaminhar logo a solução para o pagamento dos precatórios e sentenças judiciais de R$ 89 bilhões. O ideal é que o parcelamento , se necessário, seja negociado e não imposto com uma regra permanente. Apesar da boa intenção do governo ao propor a criação de um fundo com a receita de privatizações e concessões para pagar precatórios que seriam parcelados, essa proposta tem contribuído muito mais para o aumento da incerteza e risco fiscal do que para mostra o real compromisso do Executivo e da sua base política com o teto de gastos e com a segurança no pagamento da dívida".

Daniel Goldberg, ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça e atual sócio-gestor da Farallon Latin America. Foto: Celso Júnior/Estadão - 29/7/2004

Daniel Goldberg, ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça e atual sócio-gestor da Farallon Latin America

O ideal seria que não estivéssemos nesse corner fiscal. Creio que há R$ 18 bilhões em emenda do relator no Orçamento que podem e devem ser negociadas para abrir espaço para auxílio nesse contexto de pandemia. Além disso, o STF pode ajudar na mediação com os Estados para que o impacto do Fundef (fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006) seja atenuado. A PEC tal qual proposta pelo governo cria insegurança fiscal (por causa do fundo e da perspectiva de um orçamento paralelo) e arrasa a percepção de solvência doméstica com o que é efetivamente uma moratória dos pagamentos devidos por condenações judiciais. Na ordem de preferências: 1) não sai do teto, refaz Orçamento e com algum sacrifício paga as contas; 2) em não sendo possível, sai do teto, mas desde que fazendo o ajuste da base de cálculo lá no ponto de partida, em 2016. Simplesmente tirar do teto não funciona. Simplesmente tirar do teto é terrível, assim como a PEC do governo que é uma moratória. Aparentemente o STF está tentando, via Conselho Nacional de Justiça, resolver a situação sem depender de uma PEC. Uma combinação disso com cortes de emendas parlamentares no orçamento deveria permitir a manutenção da institucionalidade sem qualquer tipo de alteração da Constituição. Caso essa iniciativa fracasse, prefiro uma alternativa em que a base de cálculodo teto seja recalculada a partir de 2016 para que os precatórios pagos naquele anosejam excluídos , para que evitemos a moratória de precatórios proposta na PEC e, ao mesmo tempo, possamos manter a disciplina fiscal, limitando o espaço aberto no Orçamento.

Tiago Pessoa, responsável pelas mesas de operações do Morgan Stanley para América Latina. Foto: Reprodução/Twitter/@TiagoPessa1

Tiago Pessoa, responsável pelas mesas de operações do Morgan Stanley para América Latina

O governo conseguiu aprovar a reforma da Previdência e, mais recentemente, a autonomia do Banco Central, mas essa medida da PEC dos precatórios, é muito ruim. Essa ideia de criar um fundo, o ministro Paulo Guedes pode ter tido com a melhor intenção, mas o resultado não é bom, principalmente, a parte do parcelamento. O parcelamento da dívida, em qualquer lugar do mundo, é visto como uma moratória. Isso cria uma percepção institucional delicada, no ano de véspera de eleição. É ruim para o mercado brasileiro como um todo. De todas as propostas, o que o governo deveria ter feito é apertar o cinto, diminuir emendas e encaixar os precatórios dentro do teto. Mas entendo que Paulo Guedes não está sentado em um escritório na Faria Lima. Ele precisa negociar. Entre as alternativas, a de retroagir ao teto para 2016 e o que exceder 2,6% de receita (corrente líquida) retirar do teto, me parece a menos pior na escolha de Sofia que tem de ser feita. O setor público tem muita dificuldade de reconhecer equívoco. O precatório é um gasto imprevisível e, desde lá atrás, talvez não devesse ter ficado dentro do teto. Capitalização de estatal, por exemplo, que é um ato político, está fora do teto. Talvez a capitalização tivesse que estar dentro do teto e o precatório fora do teto. Corrigir esses equívocos, se for bem colocado para o mercado, teria uma visão menos populista. O teto é feito para gastos recorrentes. Mudar a regra retroagindo, mantém a âncora fiscal. Mas tirar todo o precatório do teto é ruim. Os investidores estão vendo essa PEC do parcelamento de uma forma muito séria e os preços do mercado estão refletindo isso. Todo esse estresse das últimas semanas vem da PEC do precatório e da preocupação de o governo virar um governo populista. A proposta que está sendo discutida com os membros do Supremo ainda busca um parcelamento. Qualquer tipo de parcelamento será entendido como uma moratória

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