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Paris ainda é uma festa, mas a recessão se instala no interior

Nas ruas da capital francesa, os consumidores vão ávidos às compras de Natal, mas nas regiões industriais os cortes de empregos já começaram

Por Andrei Netto e PARIS
Atualização:

A Torre Eiffel segue iluminada de azul nas noites de dezembro e as luzes de Natal, como de costume, ornam as árvores da Avenida Champs-Elysées. Em Paris, as ruas que são tradicionalmente tomadas por manifestantes em tempos de crise estão repletas de consumidores ainda ávidos. Mas, se a recessão parece invisível na capital, é palpável no interior. É lá que se situam as grandes indústrias do país, onde a redução dos postos de trabalho já começou. Até o aprofundamento da crise em setembro e outubro, a curva do desemprego no país - o mais elevado da Europa Ocidental - era descendente. Agora, a trajetória se inverteu e o aumento verificado em novembro foi suficiente para a França cruzar a barreira dos 2 milhões de desempregados, diante de 28 milhões de trabalhadores. O efeito é mais visível nos setores automobilístico, de transporte e construção civil, este último sofrendo o impacto do estouro da bolha imobiliária. O resultado é o medo da falta de trabalho. Pesquisa do instituto TNS-Sofres, de Paris, revela a preocupação da opinião pública: 62% dos franceses temem o desemprego e 59% a perda de seu poder aquisitivo. Dominique Arnoux, desde 1985 mecânico da fábrica da Ford de Blanquefort, cidade de 19 mil habitantes perto de Bordeaux, sente na pele o ostracismo das férias coletivas - na França chamado de "desemprego temporário"- e o risco, admitido pela direção, de fechamento da usina. "Trabalho na Ford há 23 anos. Acredito ter dado o melhor de mim todos estes anos. No sindicato acham que a fábrica pode ser salva por um comprador, mas o tempo passa e nada muda", diz ele, resignando-se: "É preciso se preparar para fazer outra coisa." Esse destino já se materializou para Marc Latour, que desde 1980 era funcionário da cooperativa Camif, uma tradicional empresa de vendas por correspondência. Desde 11 de novembro, todos os funcionários do grupo, cujo faturamento em 2005 chegava a 679 milhões, vêm recebendo cartas nas quais a empresa comunica a falência da companhia. "A empresa era próspera, tinha valores de cooperativa, ética comercial", conta, lembrando dos anos 80. "O que me revolta nessa falência são os erros de gestão. Agora, são os trabalhadores que se quebram." Os "sinais exteriores de recessão" que atingem a Europa são, na visão de René Ricol, um dos conselheiros econômicos do presidente Nicolas Sarkozy, atos de "antecipação de crise" limitados a setores específicos da economia. Para evitar o contágio generalizado, o governo vem aumentando os gastos públicos para estimular a produção e o consumo, como fez na semana passada, no pacote de 26 bilhões anunciado por Sarkozy em Douai, na quinta-feira. Para Ricol, as medidas são preventivas e, excetuando-se setores sensíveis, a Europa ainda não sente a recessão no cotidiano. "Talvez soframos com a crise em 2009, mas no momento não vemos um impacto real", sustenta. "É preciso desconfiar do pessimismo exagerado."

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