
24 de maio de 2019 | 12h39
Caro leitor,
Semana após semana, fica mais evidente que será difícil vermos Executivo e Legislativo tendo uma conversa amigável. A relação montada à base da troca de farpas - nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que o problema do País são os políticos , incluindo ele mesmo - parece ser uma realidade que vai perdurar por um bom tempo. Apesar desse cenário, ou até mesmo por causa dele, tem muita gente achando que a agenda econômica tem alguma chance de avançar.
No Congresso, onde o governo não tem uma base suficiente para aprovar nada do seu interesse, os partidos do chamado Centrão decidiram que seria necessário blindar a pauta econômica , sob o risco de o País naufragar em um novo mar de recessão. A reforma da Previdência, prioridade das prioridades, será aprovada, dizem os parlamentares. Mas o presidente da Comissão Especial que analisa as mudanças na Previdência, deputado Marcelo Ramos (PR-AM), fez questão de deixar claro: será a reforma do Congresso, com a marca do Congresso, e não a reforma do presidente Bolsonaro.
O que isso significa? Que tenta organizar-se, especialmente na Câmara, uma espécie de gestão paralela. Os parlamentares mostram-se irritadíssimos com todas as críticas de Bolsonaro ao que ele chama de “velha política” , que coloca todos os congressistas numa bolha na qual só saem votos se houver um cargo, uma verba em troca. Uma imagem que os desgasta demais. Daí a ideia de mostrar que o Parlamento vai, sim, aprovar projetos que são importantes para o País. Mas à revelia do governo.
Essa, digamos, rebeldia, teve um fruto importante nesta semana. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deu aval ao projeto de reforma tributária apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), baseado nas premissas defendidas pelo economista Bernard Appy , nosso colunista e apontado como a principal referência do País nesse tema. O próprio presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), afirmou: “Não vou ficar esperando o governo.”
Isso porque o governo, via Ministério da Economia, trabalha em um projeto de reforma tributária, para ser apresentado após a aprovação da reforma da Previdência. O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, até já nos apontou as linhas básicas desse projeto, que prevê a unificação de vários tributos federais em um só, o fim da contribuição das empresas ao INSS com base nas folhas de pagamentos e a criação de um novo imposto sobre movimentação financeira para cobrir o buraco que seria deixado na Previdência por conta da desoneração das folhas.
O projeto aprovado na CCJ esta semana segue linha parecida. Reúne em um só imposto os tributos federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS, com prazo de transição longo, de dez a cinquenta anos, para dar tempo a todo mundo de se adaptar. Apesar de ter sido votado à revelia do governo, após a aprovação o secretário Marcos Cintra disse que os projetos têm “coincidência de interesses” e que depois iria abordar pontos que acha importantes e que não estão no projeto que passou na comissão – e que ainda tem um longo caminho no Congresso para se transformar em algo prático.
Têm-se aí, então, que o Congresso quer tocar sua própria pauta econômica para tentar tirar o Brasil do buraco. Será suficiente? Provavelmente, não. É muito difícil que essa espécie de “parlamentarismo branco” dê certo, num País em que os presidentes têm tanta força, embora Bolsonaro comece a se tornar um mandatário cuja palavra não é levada em conta, como mostra o editorial do Estadão .
No caso estritamente econômico, porém, há uma interlocução um pouco mais clara. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, têm tentado unificar os discursos. No caso da reforma tributária, por exemplo, Maia tem um acordo com Guedes para só instalar a Comissão Especial para analisar o tema após a apresentação do parecer da reforma da Previdência, para não atrapalhar a tramitação. O presidente da Câmara disse que vai trabalhar junto com o ministro nesse tema.
Na verdade, vão precisar estar muito unidos mesmo, ainda mais se Bolsonaro continuar se recusando a negociar com o Congresso. É unânime a avaliação de que o País precisa da Previdência e da reforma tributária. Mas isso não será suficiente para nos colocar de volta na rota do crescimento, como apontaram especialistas em um evento realizado esta semana pelo Estadão e pelo Ibre/FGV. É preciso mais reformas, mais segurança jurídica, menos burocracia, um rumo para a educação, um caminho para diminuir a pobreza. Um projeto de nação, enfim. Mas o presidente parece preferir gastar seu capital político em assuntos como o porte de armas .
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