05 de setembro de 2020 | 22h00
Ao entregar um plano com dez propostas para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia ao governo, os três maiores bancos privados do País, Bradesco, Itaú e Santander também estavam dispostos a fazer algo que nunca fizeram antes: dar crédito aos pequenos agricultores da floresta.
Só neste ano, as três instituições somam empréstimos de R$ 70 bilhões ao setor do agronegócio. “Tudo foi absorvido pelas grandes culturas como soja, milho e carne; nada foi para a Amazônia”, admite o presidente do Santander, Sérgio Rial. “Será o nosso Pronampe verde”, brinca ele, em referência ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte criado pelo governo em maio. A seguir, trechos da entrevista.
Nós celebramos, corretamente, a descoberta de grandes poços de petróleo no mar, a exploração em alta profundidade e talvez caiba agora celebrar algo muito mais rico do que todo o combustível fóssil que o Brasil pode ter encontrado. Temos de ver como tangibilizar esse patrimônio que é a Amazônia, como trazer a floresta para o dia a dia da vida dos brasileiros.
Uma forma seria precificar a Amazônia, mostrar o valor que ela tem na neutralização do CO2. Quanto mais desenvolvermos instrumentos de descarbonização, mais tangível será o preço da preservação da Amazônia. O instrumento de compra de crédito para neutralizar o que foi gerado de CO2 é uma forma de estabelecer um mecanismo financeiro de precificação da geração de CO2. Se formos capazes de provar o valor da Amazônia, por que não pedir ao planeta para que também participe da preservação?
Imagina o valor que tem a preservação da Amazônia para um planeta que quer ser neutro em geração de CO2. Grandes indústrias nos EUA e na Europa estão comprando certificados de descarbonização para cumprirem metas de ESG. Com a evolução de instrumentos financeiros de descarbonização vai ser possível provar o valor de uma floresta que neutraliza esse gás carbônico. Sabemos tecnicamente e cientificamente que a floresta protegida tem valor, mas ainda não somos capazes de precificá-la. Esse seria um caminho e o Brasil poderia inclusive vender créditos para multinacionais. Seria começar o que chamo de matematização financeira da floresta. A Amazônia é o maior ativo capaz de reduzir os efeitos nefastos do efeito estufa.
Recentemente nomeamos um conselho consultivo que reúne grandes personalidades científicas e lideranças da Amazônia. A primeira reunião ocorrerá neste mês. Também começaremos nas próximas semanas um diálogo construtivo com líderes da indústria frigorífica e sua cadeia para construirmos políticas para um novo tipo de concessão de crédito que tenha compromisso com o desmatamento zero e para começarmos a ter uma cultura mais forte de rastreabilidade.
Sim. Nos propusemos a trabalhar até o final do ano com vários escritórios de advocacia para criar um plano de ação plurianual para efetiva regularização fundiária da região amazônica. Vamos estabelecer um prazo para ter esse plano.
Vamos apoiar culturas sustentáveis, em especial de açaí, castanha e cacau. São culturas familiares que permitem às pessoas ficarem na Amazônia e isso é importante, pois não há preservação sem o homem estar coexistindo e vivendo na Amazônia, sendo capaz de preservá-la. Vamos construir linhas de crédito que viabilizem a melhora da qualidade e da questão ambiental da produção. Não vamos dar crédito para quem não cumpre regra ambiental. Muitos cumprem, mas não têm acesso a linhas que não sejam de bancos públicos.
Os três bancos privados nunca construíram um menu de oportunidades de financiamento para aqueles que estão efetivamente fazendo o certo. Temos de ajudar de maneira concreta, com juros muito melhores do que normalmente se praticaria, porque o objetivo é fomentar o fazer certo. Passaremos a ser promotores dessa agenda ambiental. Até o fim do ano, vamos anunciar medidas e produtos. Será o nosso, jocosamente, Pronampe verde. Até agora todos ficavam à mercê do grande plano que seria concedido pelo banco público x, y, ou z. Não podemos substituir o papel do Estado, mas podemos ser muito mais ativos na execução de soluções do que talvez tenhamos sido nas últimas décadas.
Nós fazíamos, mas não tínhamos escala. Nas últimas décadas os bancos públicos detinham mais de 70% do financiamento agrícola no País. No final deste ano, os três bancos privados já vão estar próximos a R$ 70 bilhões de concessão de financiamentos agrícolas, 24% do total, e isso era impensável há duas décadas. No Santander tínhamos uma cota histórica de mercado de 2% e este ano estamos perto de 10%. Desse total quanto foi para a Amazônia? Nada. Tudo foi absorvido pelas grandes culturas escaláveis e dolarizadas como soja, milho e carne. Por isso temos a intenção estratégica de fomento às culturas da Amazônia.
Vamos tentar fazer com que a Amazônia não seja só área de extração, mas onde mais valor agregado pode ser adicionado. Ao invés de vender o cacau, porque não vender o pó e quem sabe o chocolate? Podemos construir a melhor marca de chocolate natural na Amazônia. No caso da indústria de beleza, muito é extraído mas pouco é manufaturado na região. A bioeconomia é dar a empreendedores tudo o que podemos como banco para que possam levar a base produtiva de valor agregado a outro patamar. Quem sabe se o sonho não permitira também uma reconfiguração, não na sua totalidade, da Zona Franca de Manaus.
No setor de carne temos um dos grupos de análise de risco sócio ambiental mais desenvolvido do País. Também fizemos recentemente empréstimos condicionados a metas ESG, como para a Cooperativa Lar, do Paraná, para recuperação de nascentes e outro para a FS Bionergia. Em alguns casos são financiamentos de longo prazo cujas taxas caem na medida em que a empresa cumpre metas socioambientais previstas no início do contrato.
Há uma empresa independente que faz a avaliação e temos contratos com empresas de satélites para fazer monitoramento.
Acho que essa realidade já chegou. Na questão dos três bancos, começa a se ver uma evolução em relação ao capitalismo social em que ter resultado é obrigação, e ter liderança em relação à sociedade é opção. E essa opção queremos exercer com vigor. A epidemia deixou isso claro. A sociedade demonstrou capacidade de mobilização, que é o melhor antídoto à indiferença. Não é a radicalização, não é a politização, é a união de esforços em escalar soluções que individualmente não encontraríamos. Essa coisa do selo verde também traz esse capitalismo social mais responsável. Vão existir aqueles que olham com certo cinismo, mas estamos convencidos de que uma melhor sociedade, mais próspera, responsável ambientalmente é melhor para todos, inclusive para os negócios.
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