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'Pátria ou abutres' vira slogan na Argentina

Governo faz comício contra os fundos credores americanos em tom de confronto político contra a 'oligarquia' e o 'imperialismo'

Por Ariel Palacios e correspondente
Atualização:
"Fora abutres". Manifestantes ligados ao partido de Cristina Kirchner foram ao Luna Park Foto: David Fernández/EFE

BUENOS AIRES - Milhares de militantes kirchneristas, embalados pelo ritmo dos tradicionais bumbos peronistas, entoaram ontem o slogan "Pátria ou Abutres" no estádio coberto Luna Park, em pleno centro de Buenos Aires.

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O comício, realizado pelo governo da presidente Cristina Kirchner e por organizações sociais aliadas - que definiram o evento como "antioligárquico e imperialista" - teve como objetivo unificar as críticas aos "fundos abutres", forma como o governo da Argentina se refere aos fundos de investimentos americanos que não aceitaram as reestruturações dos títulos da dívida pública feitas em 2005 e 2010 pelo governo Kirchner.

Esses fundos, especialmente o NML, comandado pelo financista Paul Singer, recorreram aos tribunais internacionais para exigir o pagamento de seus títulos no valor integral de 2001, quando a Argentina deu o calote.

No entanto, o principal alvo das críticas foi o juiz federal de Manhattan, Thomas Griesa, que determinou que a Argentina somente poderá pagar aos credores regulares - que aceitaram as renegociações de dívida - com jurisdição nos Estados Unidos caso também pague o fundo 'abutre' NML. O NML exige US$ 1,33 bilhão pelos títulos em estado de calote que possui. Este impasse levou a Argentina ao calote parcial com seus credores reestruturados.

Independência. O deputado Andrés Larroque, líder de "La Cámpora", denominação da juventude kirchnerista, afirmou que a Argentina "estava a ponto de conseguir a independência da dívida. Mas agora aparece este juiz (Griesa), que mais do que juiz, na verdade, é um advogado dos fundos abutres!". Larroque também procurou culpados do passado da Argentina e criticou o empréstimo de um milhão de libras esterlinas feito pelo presidente Bernardino Rivadavia ao banco britânico Baring em 1824. No palanque, instalado em uma das laterais do estádio, estavam presentes parlamentares, ministros, secretários de Estado e líderes de organizações sociais aliadas do kirchnerismo. 

O vice-governador da província de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, também recorreu a fatos do passado e comparou o confronto com os "abutres" como a resistência dos portenhos durante as duas invasões inglesas em 1806 e 1807, quando essa região ainda era colônia espanhola: "Resistimos jogando óleo fervente sobre os ingleses!". 

Segundo Mariotto, os holdouts - credores que não participaram das renegociações da dívida - e o juiz Griesa pretendem implantar a "receita da Alca (Área de Livre-Comércio das Américas), embora com outro molde". Mariotto se referia à proposta feita em 1994 de eliminar as barreiras alfandegárias no continente americano.

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O líder piqueteiro Luis D'Elía declarou que no confronto com os holdouts a presidente Cristina "não está pensando nas capas dos jornais de amanhã... Ela está pensando nos livros de História daqui a 100 anos!" O ministro da Economia, Axel Kicillof, cuja presença estava prevista para ser a estrela principal do comício, não compareceu. 

Causa nacional. O governo Kirchner está tentando obter dividendos políticos com o conflito com os holdouts. Analistas indicam que o kirchnerismo tenta transformar o confronto com esses credores em uma nova "causa nacional" para aglutinar setores da sociedade ao redor da presidente argentina. 

Os resultados, nestas primeiras semanas, tem sido favoráveis para Cristina, já que, segundo uma pesquisa elaborada pela consultoria de opinião pública Management & Fit, a aprovação popular da presidente, que estava em 25,5% em junho começou a subir de forma simultânea à briga jurídica com os credores que não aderiram às reestruturações da dívida. Com o confronto, a aprovação atual da presidente Cristina é de 32,4%. Enquanto isso, a desaprovação caiu de 66,5% para 57,6%. 

Lula. Os organizadores do evento leram mensagem do ex-presidente Lula, na qual declara "solidariedade" aos argentinos no conflito com os fundos.

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