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Paulo Kakinoff, da Gol: 'Espero que o trecho mais quente do deserto tenha ficado para trás'

Executivo diz, no entanto, que volatilidade é tão alta que é impossível cravar que pior já passou

Foto do author Luciana Dyniewicz
Por Luciana Dyniewicz
Atualização:

Duas semanas antes do Carnaval, a diretoria da Gol se reuniu em um auditório na sede da empresa, ao lado do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Sentados em cadeiras iguais a assentos de avião, os executivos começaram a se preparar para atravessar o deserto, como chamaram, então, a crise decorrente da covid-19. 

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Assim como ocorreu com suas concorrentes, a Gol recebia informações da gravidade da crise por meio de empresas parceiras internacionais, mas a preocupação com os possíveis impactos que a doença causaria no setor foi crescendo conforme a doença avançava na Itália, conta o presidente da companhia, Paulo Kakinoff. Quando a reunião foi convocada, já se vislumbrava um futuro dramático.

“Nessa reunião que ficou histórica para nós, a figura que adotamos e que se mostrou acertada foi a de que iniciaríamos a travessia de um deserto, cuja extensão e temperatura eram imprevisíveis e, como acontece na travessia de qualquer deserto, na qual só poderíamos contar com os suprimentos que tínhamos no começo da jornada. No meio do deserto, não tem posto de gasolina, hospital ou supermecado”, lembra Kakinoff.

Segundo Kakinoff, era impossível prever dimensão da crise Foto: Gabriela Biló - Estadão

Com o plano de travessia traçado, os investimentos, como campanhas de publicidade, foram suspensos. Era um modo para garantir que a água - dinheiro no caixa, nesse caso - não acabasse antes de que se atingisse o fim do deserto. Também com esse objetivo, foi desenhada a proposta de reduzir a jornada e o salário dos tripulantes. No fim de março, os trabalhadores já tinham aceitado o corte de até 75% na remuneração para os meses seguintes.

Foi também nessa época em que o passageiro “sumiu”. Kakinoff diz que a empresa tinha se preparado para uma redução significativa da demanda, mas não imaginavam que a queda seria tão brutal - chegou a 93% em abril e maio.

“Na verdade, era impossível prever. A gente sabia que haveria um impacto grande na receita e que os custos levariam mais tempo para serem reduzidos. Então, essas duas curvas iam consumir nosso caixa e teríamos de lidar com novos protocolos e desinformação. Os parâmetros eram evidentes, mas a gente não tinha o dimensionamento e a intensidade.”

Durante as primeiras semanas de quarentena no País, a gestão da crise foi feita de forma remota, assim como a negociação com credores e fornecedores. “No primeiro mês, vim aqui, na Gol, duas vezes por semana, só para acessar algum documento ou fazer algo que precisava estar aqui. Mas vim sozinho, o escritório estava vazio”, lembra o executivo. No segundo mês, alguns funcionários voltaram a trabalhar presencialmente. A empresa não divulga o total de funcionários que continuam de home office, mas afirma que houve 1.000 desligamentos durante o ano.

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Feitas pela internet, as renegociações de pagamentos foram facilitadas pelo fato de que não era preciso explicar o que estava ocorrendo. Por outro lado, como a cadeia aérea inteira sofria com os aviões parados, todos os fornecedores estavam atrás de qualquer fonte de receita. “Equacionar isso é e tem sido um exercício importante, porque estamos falando de escassez dos dois lados”, diz Kakinoff.

Uma das negociações mais intrincadas, porém, não envolvia nenhuma empresa desesperada por capital. As conversas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para liberação de crédito se prolongaram por meses e não chegaram a ser completamente encerradas,segundo Kakinoff.

Demanda na Gol chegou a cair 93% em abril e maio Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press - 22/5/2020

“Em nenhum momento falamos ‘vamos jogar a toalha’, só que o modelo de financiamento proposto não era a melhor alternativa para a gente. Pode ser que um dia a gente precise (do crédito do BNDES), mas, enquanto não precisarmos e não for a melhor alternativa, não tem motivo para fazer.”

Sem querer se submeter às condições do banco de desenvolvimento, a Gol acabou indo ao mercado neste mês para captar R$ 1 bilhão e dar continuidade à travessia do deserto, que só deve ser concluída quando a população estiver vacinada. “Enquanto a covid não tiver resolvida, você jamais vai ouvir da gente que a situação está sob controle”, diz o presidente da empresa. “Mas espero que o trecho mais quente do deserto tenha ficado para trás. De qualquer modo, nem isso a gente crava, porque o cenário é muito volátil.”

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A aposta de Kakinoff é que a retomada já verificada no segmento de lazer se mantenha nos próximos meses, enquanto o segmento corporativo continuará penando. Ele prevê que as viagens realizadas a trabalho alcancem entre 60% e 70% do que se tinha antes da pandemia apenas no segundo semestre do ano que vem. O segmento corporativo é o que rende maiores receitas para as aéreas, dado que as passagens são compradas com menor antecedência e a preços mais elevados.

Considerando o volume de passageiros transportados hoje, menos de 5% estão viajando a trabalho, segundo o executivo. São sobretudo funcionários de pequenas e médias empresas. Enquanto muitos preveem que esse segmento nunca mais será como antes, pois as empresas substituirão reuniões presenciais por virtuais, Kakinoff acredita que não haverá algo tão “disruptivo” na área.

“Acredito que pelo menos dois terços das viagens corporativas continuarão acontecendo. Inspeções de engenharia e reuniões para venda vão continuar sendo presenciais. Uma reunião presencial vai acabar sendo até um diferencial competitivo”, destaca.

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Kakinoff diz ainda que, no segundo semestre do ano que vem, pode estar com o número de passageiros completamente recuperado, mas com uma participação do segmento corporativo inferior a do pré-crise. Isso terá um impacto negativo na receita, o que indica que a travessia será longa.